Ilustração: Dreamstime
O carro tremia. Os vidros estavam embaçados. Eu e Théo sabíamos que aquele não era o lugar mais indicado para fazer amor. Perigoso demais. Mas, tomados pela expectativa de nosso casamento, nem ligamos. Faltava exatamente uma semana.
Eu, ali apenas de calcinha, entraria na igreja do bairro com um lindo vestido de noiva. Ele, que nem com a cueca estava, usaria um fraque cinza que alugamos. Nos conhecíamos desde os 15 anos e, passados dez de convivência, decidimos que era o momento. Íamos casar e ter filhos. Muitos filhos. Deitada com a cabeça no peito de Théo, eu murmurava: “Quero um com seus olhos puxadinhos e a pele morena como a minha”.
Ele alisava meu cabelo e, ainda ofegante pelos amassos, sussurrava: “Serão lindos. Deus vai nos mandar um casal. Uma menina para ser cabeleireira como a mãe e um macho para eu transformar num milionário jogador de futebol”.
No dia seguinte, entre uma cliente e outra, recebi ligações apaixonadas do meu amor. Eram rápidas. Ele só dizia que era o homem mais feliz do mundo. Eu adorava. Os dias passavam e eu ficava cada vez mais eufórica. Minhas tias por parte de mãe me elogiavam: “Olha que moça direita, vai casar, e não é porque está grávida, não. É porque quer!”, repetiam, aprovando o fato de eu e o Théo termos programado tudo em seu devido tempo.
O grande dia chegou. Parecia cena de novela. Eu lembrava uma modelo dessas de capa de revista. Modéstia à parte, estava linda. A igreja cheia de rosas brancas. Meu padrasto me carregando para o altar. O futuro marido me esperando. Entre nós, minha sobrinha Cecília, uma menininha linda que só ela, carregando as alianças. A daminha de honra mais bonita do mundo. Fiquei pensando que talvez minha filha pudesse ser como ela.
Assim, meio cara de anjinho. Mesmo porque a pequerrucha era filha da minha irmã. Segurar as lágrimas nessas horas não é fácil. Um mundaréu de gente te olhando. Um coral que mais parecia de casório de famoso. E meu gato gostosão ali no altar. Só tinha que chorar mesmo! Mas não podia. “Cuidado para não borrar a maquiagem”, recomendou Ana, minha única irmã. Era tudo tão lindo e importante pra mim que não ligava de ter economizado durante um ano para fazer a cerimônia.
Théo e eu gastamos os tubos na igreja e na festa. Mas valeria a pena. Não sei se pela excitação toda, mas deixei de perceber o que acontecia ao redor, até que ouvi o padre repetindo a palavra aceita duas vezes. Eu disse sim, lógico. Meu amor fez o mesmo. Nos beijamos.
E fomos aplaudidos. Dali seguimos para a folia, que durou a noite inteira. Dançamos valsa, comemos bem-casados. Ouvimos recomendações da parentada. “Aproveitem bastante antes de arrumar filhos. Eles tiram a liberdade”, disse uma amiga do salão. Nem precisava. Nos tínhamos programado ficar um ano apenas os dois. Exatamente quando nosso casamento chegasse aos 12 meses, bem nos feriados de Natal, iríamos fazer nosso primeiro rebento.