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A nova “Globeleza” é também uma mudança de pensamento

Stephanie Ribeiro opina sobre a novidade da Globeleza de 2017.

Por Stephanie Ribeiro
Atualizado em 20 jan 2020, 23h06 - Publicado em 9 jan 2017, 17h42

A mudança de perspectiva é o mínimo. Ano passado Beyoncé cantou que tinha orgulho dos traços negros dela e da filha no SuperBowl, um dos maiores eventos nos Estados Unidos, assistido por todos os americanos – o que inclui conservadores racistas que não deixaram barato e tentaram boicotar uma mulher negra por cantar seu empoderamento. Elza Soares ganhou o Grammy Latino por seu cd, A Mulher do Fim do Mundo, e saiu em todas as listas e homenagens possíveis por cantar em prol de mulheres e negros. Negras ganharam medalhas nas Olimpíadas. Negras estamparam capas de revista falando de racismo, denunciaram o genocídio da polícia em funk e foram traduzidas e mostraram que a esquerda precisa avançar na discussão sobre Mulheres, Raça e Classe. Fundaram movimentos para dizer que nossas vidas negras importam e denunciaram o encarceramento em massa com suas pesquisas e produções audiovisuais.

Não há dúvidas que nós negras somos as mulheres do fim do mundo, num ano que parecia que o mundo estava decaindo.

Stephanie Ribeiro

A mulher negra que tanto fez por lutas de classe, gênero e raça – mas, evidentemente, sempre invisibilizada ora por sua pobreza imposta, sua cor e traços, ora por seu gênero dentro dos movimentos que diziam lutar pela emancipação de todos, num todo que nem sempre considera nossas subjetividades e recortes -, também fez das mídias sociais uma forma de disputar narrativas e quebrar o silêncio. Com a coragem de ancestrais criaram blogs, posts, páginas, memes e vídeos conseguindo transformar nossa raiva em produção de conteúdo de excelência e capaz de mudar perspectivas.

Em 2016, a filósofa e feminista negra Djamila Ribeiro e eu fomos chamadas para escrever para o blog #AgoraéQueSãoElas, dando nossa opinião sobre a Globeleza. O nosso manifesto A Mulata Globeleza diz muito sobre o que pensamos da tal figura que reforça, sim, o lugar social construído para a mulher negra: um lugar em que você serve a alguém sempre, seja sexualmente, com seu afeto ou com seu trabalho. O nosso lugar sempre foi muito bem definido numa sociedade racista – que é de imposições e não de escolhas. Ver a Globeleza um ano depois desse texto vestida é uma vitória.

Assim como foi uma vitória acompanhar uma marca de maquiagem que usou negras de diferentes estéticas em quase todas as suas propagandas ou como uma marca de cerveja não objetificou mulheres em sua campanha de verão. Para mim, vitórias pequenas sou eu quando, todo dia, com meu corpo de uma mulher negra que carrega o estigma da mulata e que sabe que não importa minha roupa, minha idade ou quando carrego de dinheiro na carteira, um homem vai parar do meu lado com seu carro e perguntar: Qualé?

Não importa se estou viajando nas férias sonhadas com meu dinheiro que vão me perguntar “Você cobra quanto?”. Não importa que eu só tenha horários diferente por conta dos trabalhos com arquitetura e ativismo, que a vizinha vai dizer que meu jeitinho “diferente” incomoda na reunião do prédio. Essas empresas que lucram muito, independente do discurso que resolvam enfatizar, continuam lucrando enquanto eu continuo vivendo num país racista e machista num corpo de mulher negra.

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Se uma empresa faz o mínimo – que é ver a humanidade que existe para além do sujeito homem, branco e hétero -, eu realmente acho que nós que queremos propor críticas, precisamos ir além do famigerado Lacre é Lucro. Nós negras, sendo a base desse sistema capitalista patriarcal e racista, sabemos muito bem como o ele funciona em cima da exploração da mão de obra do nosso trabalho e no caso da nossa sexualidade. O que queremos é viver com o mínimo de humanidade possível se a sua não é negada, pois você é tido como o sujeito universal para a representação humana.

Não me diga como devo me sentir e como devo lutar. Falar das mídias é, sim, importante independente do seu nível de discussão nas questões anticapitalistas e antirracistas, como disse Angela Davis:

Não posso falar com autoridade no Brasil, mas, às vezes, não é preciso ser especialista para perceber que alguma coisa está errada em um país cuja maioria é negra e a representação é majoritariamente branca.

Ela mesmo alerta que, para essas mudanças acontecerem, precisamos sair da representação do lugar que já nos é concedido o subalterno e alcançar os lugares de poder sem nos encaixar, mas rompendo esses espaços. Estamos fazendo isso quando somos também as primeiras a se manifestar contra as representações que não nos servem como a da Novela Sexo e As Negas.

Então, sim, eu gosto da mudança da Globeleza, eu que tantas vezes fui chamada de Globeleza. Que muitas vezes fui tocada sem pedir. Que muitas vezes me disseram “Samba aí para gente”. Eu, que tantas vezes fui definida como alguém que não sou, pois quando se trata de mulheres negras não perguntam o que você é, o que você gosta e o que você faz.

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Te colocam numa caixinha de papéis que você pode ocupar, de subalternidade que não se encaixam em nada com uma sociedade que também te obriga a ser forte, para sobreviver às amarradas que te oprimem. Eu, que tantas vezes não soube o que eu era e me escondi em roupas largas para esconder esse corpo de “mulata” que causa repulsa, nojo e desejo ao mesmo tempo em homens que só serviram para me fazer sentir um lixo. Hoje, digo o que gosto, o que quero e o que me representa. Eu e tantas outras mulheres negras, pois nosso silêncios nunca nos protegeram.

Só havia traído a mim mesma nesses pequenos silêncios, pensando que algum dia ia falar, ou esperando que outras falassem. E comecei a reconhecer uma fonte de poder dentro de mim ao dar-me conta de que não devia ter medo, que a força estava em aprender a ver o medo a partir de outra perspectiva.

Eu ia morrer cedo, tivesse falado ou não. Meus silêncios não tinham me protegido

Audre Lorde

Obrigada, Feministas Negras. Obrigada, Mulheres Negras. Que mais pessoas reconheçam nossas lutas e existência.

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