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Por meio da arte de rua, essas artistas buscam combater o machismo

Artistas de diferentes cidades do Brasil transformam a paisagem e quebram estereótipos. Conheça os trabalhos da grafiteira Lynn Court, da poeta Ryane Leão e da artista plástica Letícia Cobra Lima

Por Aline Takashima (colaboradora)
Atualizado em 12 abr 2024, 14h15 - Publicado em 27 jul 2016, 10h58

Uma mulher nua com 1,64 m de altura, um saco na cabeça, círculos pretos no lugar dos olhos e cílios longos segura um cartaz com os dizeres: “Só a mulher sabe a dor que é não poder se vestir do jeito que quer”. O chamado lambe-lambe é criação da grafiteira Lynn Court, 31 anos. Colada em 20 pontos do Rio de Janeiro, trata sobre a questão do assédio nas ruas. A foto é da própria artista ampliada em tamanho real. Ao contrário do pai, o cantor e compositor Ritchie, autor da música Menina Veneno, a grafiteira prefere a rua ao palco. “Você está andando e, de repente, encontra uma arte que faz refletir sobre um tema. É muito interessante”, justifica.

Lynn Court
Lynn Court ()

Lambe da grafiteira Lynn Court trata sobre o assédio nas ruas

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Em outra cidade litorânea, Florianópolis, a designer e mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Letícia Cobra Lima, 27 anos, revira os lixos em busca de revistas femininas. A artista plástica recorta imagens e textos para as suas colagens. Suas obras discutem os padrões estéticos e comportamentais da mulher. Ela aborda o olhar do homem sobre o corpo feminino, o que é ser mulher e o amor entre mãe e filha. Nada fica guardado na gaveta. As montagens em formato A3 são ampliadas e coladas na cidade. “É interessante como as obras interagem com a paisagem. São imagens que falam do estado das coisas contemporâneas”, revela. 

Letícia Cobra Lima
Letícia Cobra Lima ()

Letícia Cobra Lima
Letícia Cobra Lima ()

Colagens de 2014 criadas pela artista plástica, Letícia Cobra Lima

É na rua que a escritora Ryane Leão, de 27 anos, busca inspiração para as suas poesias. E é na rua que ela divulga o seu trabalho com os lambes. Ryane caminha pelas avenidas de São Paulo lendo os muros e procura observar os detalhes do cotidiano. Repercute os textos em sua página do Facebook, Onde jazz meu coração, que conta com mais de 37 mil curtidas. “Recebo muitas mensagens de mulheres que leram a poesia e se inspiraram. Começaram a escrever ou terminaram um relacionamento abusivo. É muito gratificante”, comenta.

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Ryane Leão
Ryane Leão ()

Poesia de Ryane Leão, publicada na página do Facebook “Onde jazz meu coração”

Tamy Muzel
Tamy Muzel ()

Colaboração da artista Tamy Muzel para a página “Onde jazz meu coração”

Enquanto algumas pessoas ignoram, outras apreciam e têm as que interveem, como ocorreu com o trabalho de Lynn Court. Em poucos dias, muitos lambes foram rasgados. A maioria retirado. “Via que algumas pessoas paravam e olhavam. Mas eu realmente não esperava que os cartazes fossem depredados”, conta. 

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“Quis representar todas as mulheres na imagem. Todas nós já recebemos cantadas. É um abuso que faz parte do no nosso cotidiano”, ressalta a carioca Lynn Court. Quando ela diz que “todas recebem cantadas” está bem próxima da realidade. Pesquisa realizada pelo Instituto YouGov entrevistou 503 mulheres de todas as regiões do país. Cerca de 86% afirmam já ter sofrido assédio em público, seja com assobios (77%), comentários de cunho sexual (57%) e xingamentos (39%). 

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A paulistana Ryane Leão conta que já puxaram as suas tranças enquanto colava um lambe. “Mulher na rua incomoda bastante. Quando ela faz alguma coisa que pode ser transgressora, os caras se incomodam mais. Eles não aceitam. Estão sempre xingando e assediando”, desabafa. 

Ryane Leão
Ryane Leão ()

Escritora Ryane Leão teve o cabelo puxado enquanto colava um lambe

Quando tinha 20 anos, a grafiteira Lynn Court foi presa por pintar uma caixa de visor de luz na rua. Escutava música em um grande fone de ouvido e não percebeu a chegada de um policial com um fuzil. “Eles me abordaram. Eu estava sozinha. Mexeram na minha mochila e me levaram para a delegacia.” Depois do episódio, sempre grafita acompanhada, geralmente com outros artistas cariocas. 

Se essa rua fosse minha – A rua como espaço empoderador!   

Acostumada a pintar muros, objetos e interiores de casas, Lynn Court decidiu explorar outras habilidades artísticas com o lambe. “O artista sente a necessidade de sair da mesmice. É difícil a gente trocar de estilo e fazer coisas novas. Falar sobre o assédio é algo que tem que ser falado. Não importa de que forma”, declara. Para a carioca, não há melhor lugar para falar sobre qualquer assunto do que a rua. “É um local significativo. Atinge todas as idades, todos os tipos de gente, todas as classes.” Ryane Leão define como “ato empoderador” uma mulher ocupar um espaço democrático e público como a rua. 

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Local de convivência e de conflitos. Zonas de permanência e fluxo, de ocupação e vazio. Assim é que a mestre em Artes Visuais, Letícia Cobra Lima define a rua. Ela explica que a cidade pode ser intimidadora e excludente, pois foi construída e governada por homens. “A mulher deve se aventurar por sua conta e risco”, declara.

Há muito tempo as mulheres se aventuram nos espaços urbanos e também na arte. No final dos anos 1960, nos Estados Unidos, surgiu um movimento de arte feminista em meio ao fervor das manifestações contra a guerra do Vietnã, os movimentos de direitos civis e da luta da comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Na época, a artista Suzanne Lacy declarou que o objetivo da arte feminista é “influenciar as atitudes culturais e transformar os estereótipos”. 

Em 1977, Suzanne Lacy criou a obra Three Weeks in May (Três semanas em maio, em tradução livre). A artista queria chamar a atenção para a frequência com que as mulheres são agredidas sexualmente, nas ruas de Los Angeles. Em três semanas, realizou performances, desenhos e instalações. Em um dos momentos da apresentação, Lacy desenhou um corpo com giz, semelhante aos realizados pela polícia quando uma pessoa é morta. “Foi uma forma de unir diferentes organizações e pensar em perspectivas políticas. Foi uma maneira de criar um diálogo público sobre estupro e soluções para isso”, explica. 

Divulgação
Divulgação ()

Performance de Suzanne Lacy. No chão está escrito: “Duas mulheres foram estupradas perto daqui. 9 de maio e 21 de maio”

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As montagens de Barbara Kruger, no final de 1980, também marcaram o movimento de arte feminista. A artista trabalhou com revistas de publicidade e utilizou sua experiência em designer gráfico para criar a sua arte. Desenvolveu uma identidade própria com as colagens em preto e branco e frases com o uso de pronomes possessivos, conjunto que lembra os slogans publicitários. A obra Your Body is a battleground (O seu corpo é uma batalha, em tradução livre), remete à luta para a legalização do aborto. 

Divulgação
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Montagem icônica da artista Barbara Kruger. Cartaz diz: “O seu corpo é uma batalha”

A intervenção urbana feminina está em expansão. Lynn Court revela que havia poucas grafiteiras quando começou aos 18 anos, em 2002. Hoje em dia, a situação é diferente. “Tem meninas arrasando. Elas estão botando a cara.” A grafiteira mora na mesma cidade de Panmela Castro, artista que concorre ao Prêmio CLAUDIA. A candidata imprime sua arte em murais e performances e oferece oficinas para prevenir a violência contra as mulheres. “Sempre admirei o trabalho da Panmela”, revela Lynn. “Tanto a pintura estética quando o trabalho como ativista”, complementa. 

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As pessoas mais impactadas com a intervenção urbana feminina são as próprias artistas, explica Letícia Cobra Lima. “O mero fato de uma mulher intervir na paisagem incentiva outras mulheres a se expressarem também. O ambiente fica mais acolhedor se tem mais gente fazendo”, comemora. O movimento busca combater comportamentos ultrapassados. E é claro, unir as mulheres na mesma medida. 

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