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Você tem tempo para a sua vida?

Nossa editora Liliane Prata fala da importância de preservar a delicadeza do olhar em meio à agenda atribulada

Por Liliane Prata
Atualizado em 28 out 2016, 11h10 - Publicado em 23 mar 2016, 14h22

Há algum tempo, entrevistei uma educadora que sofreu um AVC aos 32 anos.

Os vinte dias de internação foram só o começo da jornada de volta de Adriana, que precisou reaprender a falar, a ler e, no total, levou cinco anos para se recuperar (cinco anos, em tempos em que ninguém quer esperar cinco minutos! Imagine…). Nesse período, ela questionou profundamente diversos aspectos de sua rotina, objetivos, relações. O que fazia sentido continuar levando durante sua existência? O que, pelo contrário, precisava urgentemente ser deixado para trás? “Quando você perde a capacidade de fazer coisas simples, fica mais claro o que faz sentido de verdade na sua vida”, ela afirmou. “É preciso viver sem piloto automático, sem formatar a nossa vida em um monte de atividades seguidas.”

Como não concordar? Lembrei da peça A lista, da canadense Jennifer Tremblay. No palco, vi a (excelente) atriz Clarice Niskier encarnando uma mulher que, atropelada pelo volume de tarefas do dia a dia – levar filho, buscar filho, cuidar da casa e tantas outras coisas (alguém não se identifica?) –, acaba se esquecendo de fazer um favor a uma vizinha querida, que pediu, que cobrou, que acabou desistindo. O favor era dar o telefone do médico que havia feito seu parto. Mas a protagonista nunca tem tempo para procurar o papelzinho com o número. A vizinha-amiga morre ao dar à luz, e a ocupada mulher se pergunta se ela estaria viva se tivesse sido atendida por seu médico… E se pergunta por que foi incapaz de fazer um favor tão simples.

A resposta é dolorida, mas de uma simplicidade familiar: porque estava ocupada demais, ora. Sempre ocupada demais.  

Tanta pressa tem seu preço. Você pode conseguir dar conta das tarefas do dia, mas nem sempre é capaz de olhar nos olhos daquele com quem está falando. Deposita o cheque no banco, mas só atende o filho na sexta vez que ele chama. Corre atrás dos prazos, dos telefonemas, da papelada, mas fica sempre ofegante, para lá e para cá, fazendo uma tarefa e pensando na tarefa seguinte, mandando mais uma mensagem de texto enquanto esquece a panela no fogo. 

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Enquanto esquece a vida no fogo.

Até quando?

Ocupados, estamos todos. Mas, como alguém me disse outro dia, é preciso substituir a eficiência pela atenção. Atenção: esse estado simples que faz toda a diferença na hora de trabalhar e de passar no caixa eletrônico e de assinar o contrato e de passar no supermercado, e também na hora de fazer um carinho no nosso filho, de dar um abraço na nossa mãe, de conversar, de ler, de fazer uma refeição, de fazer sexo.

Viver não é ficar eternamente “ticando” uma lista de afazeres. É ter tempo para os espaços em branco, para as entrelinhas, para aquilo que está entre o número um e o número dois, como nos lembrou outra Clarice – a Lispector. Sim, o trabalho, os partidos políticos, o trânsito, o excesso de informação e de barulho, tudo tenta roubar nossa delicadeza. Mas é um exercício diário manter a capacidade de enxergar com a alma, em vez de devorar o dia com olhos de tubarão. Refletir, de tempos em tempos, sobre o que nos importa de verdade, sobre os rumos que queremos seguir, sobre quem queremos ser. Preservar a sensibilidade no nosso interior em meio ao embrutecimento lá de fora.

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No fim da nossa conversa, minha entrevistada disse que, depois do AVC, tirou o pé do acelerador, mas que achava que ninguém precisava passar por um AVC para chegar às conclusões que ela chegou. “Acredito que é possível cultivar uma postura mais serena, mas essa é uma opção que precisamos fazer diariamente. Não adianta falar: ‘De agora em diante, serei mais tranquila, vou me preocupar menos…’. Temos que escolher esse modo de vida todos os dias.”

Sábia entrevistada. A perspectiva da morte pode nos lembrar de como é fundamental buscar nossa paz interior em meio ao caos, e pode revelar o sentido, ou os sentidos, da (nossa) vida. Sorte de quem se dá conta disso sem precisar sofrer um AVC ou perder uma amiga querida.

Liliane Prata é editora de CLAUDIA e assina esta coluna aqui no site toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui!

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