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A culpa é da babá?

Nossa editora Liliane Prata questiona na sua coluna: ter uma babá em casa significa que os pais não estão se dedicando aos pequenos como deveriam?

Por Liliane Prata
Atualizado em 28 out 2016, 16h07 - Publicado em 23 dez 2015, 07h00

Esta semana, almoçando sozinha, vi uma cena que me deixou meio triste.

A mesa à minha frente estava ocupada por um pai, uma mãe, dois amigos (ou parentes, ou colegas, enfim, meu grau de espionagem não chegou a tanto), o filho de uns quatro ou cinco anos e uma babá.

Comecei a reparar na dinâmica da família logo que os pais se sentaram: eles pularam duas cadeiras da grande mesa e se acomodaram do lado oposto ao do filho. A partir daí, foi uma sequência de distanciamentos. O menininho chamava a mãe, andava até ela e fazia carinho nela e no pai e… E era sumariamente ignorado por ambos. Em determinado momento, ele começou a chorar, chorar alto, e os pais continuaram conversando como se nada tivesse acontecido. Na hora de ir embora, pai e mãe se levantaram como se não houvesse um filho entre eles: andando rápido, deram as costas para a mesa, e o menino – que tinha dificuldades de locomoção e de fala – tentou alcançá-los em vão. A babá o puxou de volta quando tudo o que ele queria era se aproximar dos pais.

Impossível, depois daquele almoço, não fazer meu caminho de volta até a redação de CLAUDIA sem refletir sobre o assunto.   

Comentando com uma conhecida (que, aliás, não tem filho) sobre o assunto, ouvi que ela achava um “horror” ter uma babá para cuidar da sua prole, e que isso era um sinal de como “está tudo errado hoje em dia”. Fiquei pensando.

Não é raro ver pessoas condenando o simples fato de os pais contarem com um babá (aliás, a profissão não é nova, já existia em civilizações como a Grécia Antiga, por exemplo).

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Muitos (a maioria?) não responsabilizam a dupla de genitores, e sim a mãe. Já vi gente inteligente culpando, explícita ou implicitamente, o ingresso das mulheres no mercado de trabalho para justificar o comportamento de crianças mimadas, difíceis, ou hiperativas, ansiosas, enfim: problemáticas. Como agora nós estamos trabalhando o dia todo, não podemos ficar em casa e dar aos nossos filhos o carinho e a atenção de que eles precisam (última observação histórica: sabemos que eles precisam de carinho e atenção não faz muito tempo. Historicamente, as crianças sempre foram negligenciadas – nunca nos preocupamos tanto com elas).

Bem, para essas pessoas, é importante lembrar que, quando a gente não trabalhava fora, o mundo já não funcionava exatamente bem, certo? Não é como se tudo estivesse correndo às mil maravilhas em termos de felicidade individual, paz mundial etc e os problemas estivessem explodindo agora que as mulheres entraram de vez no mercado de trabalho. Mas, mais do que lembrar isso, eu gostaria de falar de uma vizinha que eu tive há muitos anos (desculpem citar uma vizinha novamente, como na minha coluna de duas semanas atrás, mas o que posso fazer se a minha vizinhança sempre me rende assunto…).

Eu era criança e minha mãe trabalhava fora o dia todo. Eu não tinha babá e ficava com meu irmão mais velho (que era legal comigo, mas que fazia coisas como botar sal e cascas de limão no leite que esquentava para mim antes de eu dormir). Teve um ano em que eu vi minha mãe só nos finais de semana, porque ela saía quando eu ainda estava dormindo e voltava quando eu já estava na cama (logo depois de tomar leite azedo, muitas vezes).

No andar de baixo, em compensação, morava meu vizinho F, que tinha a minha idade. Seu pai passava o dia trabalhando, mas voltava para casa todo dia umas seis da tarde, enquanto eu via meu pai só nos finais de semana. E sua mãe era dona de casa, e não tinha babá, empregada, ninguém para ajudá-la. Bom, mesmo assim eu nunca quis estar na pele dele. Porque a mãe gritava com ele o dia todo, e xingava, e batia, e dizia uns absurdos que eu, que estava numa boa desenhando, ficava chocada ao ouvir.

Acho que esse caso do meu vizinho ilustra bem a verdade daquele argumento conhecido (e, não podemos negar, conveniente) de que a qualidade do tempo que os pais passam com os filhos importa mais do que a quantidade. Concordo com essa ideia, apesar de entender que não podemos exagerar. Qualidade é fundamental, mas isso se o tempo não se resumir a dez minutos semanais, né? Equilíbrio costuma ser o melhor negócio. Quem trabalha e quer estar presente precisa arranjar brechas ao longo do dia para participar da vida do filho à distância.

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É o meu caso. Sou uma mãe que trabalha fora e que se considera uma mãezona bem presente. Não faz muito tempo que contratei uma babá. E aprendi que, independentemente de trabalhar fora, existem mães e mães. Pais e pais. E babás e babás.

As babás recebem por seu trabalho, estão sendo pagas, mas podem dar carinho e atenção a uma criança, assim como cuidadores de idosos, enfermeiros, médicos, cuidadores de animais, enfim, tanta gente que tem a delicada missão de, apesar de ser pago, ser muito mais do que alguém que recebe um contracheque: é ético e amoroso em seu ofício, para que nada falte àquele de que cuida.

Colocar todas as babás no mesmo saco, colocar todos os pais e mães que trabalham no mesmo saco, colocar todos ao pais e mães que não trabalham no mesmo saco… Nada disso costuma funcionar – um saco só é pouco espaço para tanta humanidade.

Criança largada é uma das visões mais tristes para os meus olhos. Com ou sem babá, em casa ou no restaurante, é inegável que alguns pais claramente não estão a fim de criar seus filhos. O mundo está cheio de pai que não sabe o ano da escola em que o filho está e mãe que desconhece o nome dos melhores amigos do filho.

Eu, otimista, acho que famílias assim vão ficar menos comuns à medida que a individualidade de cada um for sendo mais respeitada. Aos poucos, as pessoas vão se libertando da obrigação de atender o “pacote” imposto pela tal da sociedade: casar e ter filho, entre tantos outros itens. Ninguém é obrigado a ter filho, ninguém é pior do que ninguém por não querer ter filho. Muito melhor admitir isso do que ter atrás de si uma criança suplicando por um pouco de atenção entre as mesas de um restaurante.

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Liliane Prata é editora de CLAUDIA e escreve nesta coluna toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui!

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