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Especialistas defendem que inteligência emocional deve ser ensinada na escola

Cresce lá fora um movimento que defende a ideia de que é possível ensinar inteligência emocional às crianças - sobretudo, no ambiente escolar.

Por Solange Azevedo
Atualizado em 27 out 2016, 22h13 - Publicado em 29 jan 2014, 22h00

“Os pais devem observar como manejam as próprias emoções. Crianças agem por imitação”, diz Lino de Macedo, pedagogo 
Foto: Joey Boylan/Getty Images

Sentadas em semicírculo, uma porção de crianças de 5 e 6 anos têm à frente uma experiente professora que começa a conduzir a tarefa do dia: “Vocês querem dividir com a turma alguma experiência desagradável que tenha ocorrido aqui ou em casa?”, pergunta. Um dos pequenos toma coragem e conta, meio cabisbaixo, que a mãe costuma gritar bastante e que, por isso, ele acredita que não é amado. “Como você se sente? E como reage ao comportamento dela?”, questiona a educadora. Em seguida, estimula os outros alunos a apresentar sugestões de como lidar com aquele conflito. A dinâmica da aula pode até parecer estranha aqui no Brasil, mas não nos Estados Unidos, onde cresce um movimento em defesa da tese de que as competências socioemocionais – ou, trocando em miúdos, a capacidade de lidar com as situações e as pessoas – podem e devem ser ensinadas na escola. Por lá, não param de pipocar projetos com esse tipo de abordagem. O principal argumento dos partidários dessa ideia é que não se pode ignorar a inteligência emocional porque, além de ser fundamental para o sucesso nos relacionamentos, ela causa impacto significativo no desempenho acadêmico.

Um dos maiores entusiastas da nova tese é o cineasta californiano George Lucas – diretor, produtor e roteirista de blockbusters como Guerra nas Estrelas e Indiana Jones. Tão fã que ele criou a fundação Edutopia, dedicada, entre outras atividades, a apoiar pesquisas na área e a difundir boas práticas. Com outras organizações e educadores, Lucas conseguiu fazer lobby e incluir o tema no currículo de milhares de escolas americanas. “Há métodos realmente capazes de aumentar a consciência sobre as próprias emoções e as dos outros, assim como de ensinar uma pessoa a gerenciá-las de maneira eficaz”, disse a CLAUDIA o psicólogo David R. Caruso, pesquisador da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e coautor de Liderança com Inteligência Emocional (M. Books). “Mas, na escola, essas técnicas precisam estar integradas às demais atividades dos alunos para dar o resultado desejado.”
 
Em grande parte, o assunto entrou na ordem do dia porque começou a ser encarado como uma forma de combater enormes fantasmas que assustam a sociedade americana, como a violência, o uso de drogas, o bullying e até o suicídio infanto-juvenil. “A maneira como enfrentamos e dominamos as situações do cotidiano é a expressão da nossa inteligência emocional, e é importante que ela seja trabalhada na escola desde cedo”, ecoa no Brasil Lino de Macedo, professor de psicologia escolar e do desenvolvimento da Universidade de São Paulo (USP) e assessor do Instituto Pensi, área de ensino e pesquisa do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo. “Mas também é fundamental ter clareza de que há razões inconscientes e hereditárias envolvidas nisso. Os pais devem observar como manejam as próprias emoções porque as crianças pequenas agem por imitação.” Não adianta, portanto, em sala de aula os professores transmitirem conceitos positivos se, em casa, o aluno convive com adultos que não dão bons exemplos.
 

O impacto no aprendizado

Pesquisas indicam que aspectos emocionais, como autoconfiança e força de vontade, são tão ou mais importantes para o aprendizado do que as capacidades cognitivas: atenção, memória e organização. Uma delas, feita a partir do cruzamento de dados de 35 mil brasileiros inscritos no site temperamento.com.br, foi conduzida pelo psiquiatra Diogo Lara, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “Sob esse ponto de vista, é melhor ser alegre e desatento do que atento e desmotivado”, avalia o médico. Outros estudos, como um no Reino Unido que acompanhou os registros de 17 mil crianças durante 50 anos, sugerem que essas características influenciam mais o sucesso pessoal e profissional do que outros tipos de inteligência, como a lógico-matemática e a linguística. Além de mostrar que a propensão a se dar bem na vida é maior entre as pessoas consideradas emocionalmente inteligentes, essas análises também sinalizam que a probabilidade de elas terem casamentos mais duradouros e sofrerem menos de depressão e ansiedade também é maior.
 
Alguns especialistas acreditam que, se bem conduzidos, projetos que se dispõem a desenvolver a inteligência socioemocional podem, inclusive, ajudar a criar caminhos neurológicos que tornam as crianças capazes de se recuperar mais rapidamente de experiências negativas. Isso porque estimulam o córtex pré-frontal, área do cérebro responsável por planejamento, pensamentos complexos e modulação do comportamento. “Os mais recentes estudos de neurociência comprovam que fatores ambientais modificam o córtex pré-frontal”, ratifica a neuropsicóloga Adriana Fóz. “Daí a importância de trabalhar as emoções positivas das crianças desde a fase pré-escolar.” Adriana é uma das coordenadoras do Projeto Cuca Legal, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que promove programas para desenvolver as competências emocionais em escolas. As intervenções, feitas por uma equipe multidisciplinar principalmente com os professores e coordenadores, servem para prepará-los para enfrentar melhor as dificuldades de relacionamento e o mau comportamento dos alunos – mas também para que eles atuem como catalisadores desses conhecimentos. 
 
“As escolas não podem se furtar ao papel de ajudar os alunos a reconhecer e administrar suas emoções, solucionar problemas e estabelecer relações interpessoais saudáveis”, afirma a CLAUDIA o americano Maurice J. Elias, professor de psicologia da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, e coautor do livro Pais & Mães Emocionalmente Inteligentes (Objetiva). O envolvimento dos educadores nessa tarefa é essencial porque, em geral, as escolas são o primeiro espaço de socialização. “Uma criança confiante, bem-aceita e valorizada certamente estará mais desperta para o aprendizado. Entenderá, por exemplo, que errar faz parte da vida e aprenderá como agir diante de uma dificuldade. Saberá decidir se vai empacar, persistir ou se esforçar”, avalia a psicanalista Claudia Monti Schönberger, coordenadora de equipe clínica do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. “Mas criar momentos específicos para tratar disso me parece artificial. Eu acredito que a inteligência emocional é transmitida por meio de atitudes e exemplos.”
 

Emoções liberadas

Gerenciar bem as emoções, alertam os especialistas, não significa represá-las. A criança precisa encontrar abertura suficiente para sentir medo, angústia, raiva, tristeza, alegria, euforia. Em vez de dizer “não chore” ou “controle-se”, os adultos devem acolher os pequenos, procurar compreender as razões do comportamento deles e ajudá-los a dar respostas adequadas às situações. “Pais e professores têm de ser bons observadores para auxiliar as crianças a autogerir os sentimentos. Mas vale tomar cuidado para não interferir demais, tornando-as dependentes e passivas”, observa Lino de Macedo. Uma das formas mais eficazes de aprender a lidar com isso nessa fase da vida é por meio de brincadeiras. “Estimular o lado lúdico é importantíssimo”, lembra o psiquiatra Diogo Lara. “Até numa atividade simples, como a preparação de um brigadeiro, é possível perceber características como agressividade, introversão e impulsividade e trabalhar para que as crianças pensem em diferentes maneiras de resolver conflitos”, diz ele. Ou seja, elas devem ser estimuladas ao diálogo e à reflexão.
 
O psiquiatra ressalta que boa parte da saúde emocional da criança é transmitida pela família porque, até os 4 ou 5 anos, o cérebro infantil só tem capacidade para se ocupar dos vínculos mais íntimos. É a fase em que ela aprende a amar e ser amada. Mesmo que frequente uma escolinha, ainda não consegue compreender direito a vida em grupo. A partir dos 6 anos, mais ou menos, é que começa a ter noção do coletivo e, depois dos 7, passa a desenvolver critérios próprios de reação. “Por isso é tão importante observar como a pessoa-referência, em geral, a mãe, age diante das situações”, relata Lino de Macedo, da USP. Se ela costuma se exaltar e gritar, por exemplo, é provável que o filho repita esse padrão. Se privilegia a negociação e a conversa, também. É exatamente por essa razão que Macedo ressalta: “O adulto nunca pode perder a perspectiva educacional na relação com a criança nem partir para o desabafo ou para o revide”.
 

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