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Marcia Tiburi: “as pessoas têm medo de falar o que pensam”

Sua participação no programa Saia Justa resultou em livro sobre experiência visual e hiperexposição na mídia

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 16 jan 2020, 08h41 - Publicado em 24 out 2012, 21h00

Marcia Tiburi senta a pua no que identifica como males de nossos tempos: o pavor generalizado de dar opinião, a caretice moralista. “As pessoas têm medo de falar o que pensam.”
Foto: Tim Fahlsbusch

 

Gaúcha, a filósofa Marcia Tiburi é discreta e calma, dedicada aos amigos e à filha adolescente, Maria Luiza. Quando não está escrevendo ou pintando em casa, divide seu tempo entre palestras Brasil afora com as aulas na Universidade Mackenzie, em São Paulo, onde é professora do programa de pós-graduação em arte, educação e história da cultura.
 
Mas favor não confundir esse perfil centrado com uma personalidade anódina, insossinha. Marcia se transformou em uma filósofa pop, capaz de atrair audiências maiores do que seu nicho de atuação, porque opina, mas opina mesmo. Já era assim em 2005, quando aceitou o convite do canal por assinatura GNT para participar do programa Saia Justa. “Foi tão maluco quanto alguém hoje me chamar para andar deskate ou aprender surfe”, conta, divertindo-se. “Não tenho nenhum prazer em ver televisão, não gosto do barulho.” Ela sacou que a empreitada podia ser importante e lá se foi. A experiência diante das câmeras – e justo num programa com um quê testemunhal, em que as participantes vão dando opiniões e, de lambuja, falando de suas vidas – durou cinco anos. Tempo suficiente para ela lapidar uma reflexão sobre o papel da TV na sociedade brasileira.
 
O resultado está no livro Olho de Vidro: A Televisão e o Estado de Exceção da Imagem (Record, 352 págs.), um estudo que vai da análise da experiência visual a questões como alienação e hiperexposição na mídia. Marcia afirma que o tempo de convivência com as outras participantes do programa a ajudou também a desenvolver uma concepção de feminismo “por solidariedade”, como diz. “Percebi que as próprias mulheres denigrem as mulheres”, afirma, emendando críticas às demais participantes. “Nem todo mundo ali sabia o que significava o debate. A Maitê Proença é a Luana Piovani vezes dois. Era insuportável. A Betty Lago era divertida, mas uma bobalhona”, dispara.
 
Nesta entrevista, concedida em seu apartamento, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, Marcia fala também sobre redes sociais e a “moralina”, a droga da moral. “Estamos dopados”, diz.
 
LOLA: No livro, você fala muito da hiperexposição na TV. Como você lidou com ela nos cinco anos em que esteve no Saia Justa?
 
MARCIA TIBURI: Nunca tive problemas em falar o que penso, nem em falar da minha própria vida, porque as duas coisas, para mim, estão juntas. Não conto aspectos da minha vida íntima, mas ali, no programa, era uma exposição de ideias. E, às vezes, falo coisas com as quais as pessoas não concordam. No Saia Justa, em vários momentos, fui na contramão do senso comum. Eu sou muito na contramão do senso comum. As pessoas podem me acusar de ser do contra, mas porque elas só sabem dizer sim. Para não dar uma opinião, eu preciso ficar quieta. Se não a quiser, não me peça.
 
E como foi a experiência do debate no programa?
 
Eu não tinha o tempo necessário, pois ali era o tempo da televisão. E, apesar de ser uma ideia bacana, um programa de debate entre mulheres fica ainda mais confuso – pior ainda quando essas mulheres não estão acostumadas ao debate. Com todo o respeito, nem todo mundo ali sabia o que isso significava. Era de lascar. Eu não queria que elas concordassem comigo, mas, pelo amor de Deus, que apresentassem um argumento válido! Ouça o argumento e coloque-se no lugar do outro para debater. Eu sou feita disso.
 
No fim, qual foi o resultado?
 
Participar do programa me deixou muito feminista, porque o grupo era muito conservador. Eu não era feminista e fui ficando cada vez mais, por uma necessidade de marcar um lugar de compreensão política do que significa ser mulher. No Saia Justa, percebi que as próprias mulheres denigrem as mulheres. Para mim, fazer isso foi uma questão de solidariedade. A Mônica [Waldvogel] também sacou isso. Mas as outras não tinham condição de entender o que estava se passando. A Luana Piovani era uma bobinha do mal. A Maitê Proença é a Luana Piovani vezes dois. Era insuportável. A Betty Lago era divertida, mas uma bobalhona.
 
Como é esse feminismo?
 
Eu sou livre em tudo, mas existem muitas mulheres que não são. E agora só sou livre porque durante anos mulheres lutaram pela liberdade que me cabe agora. As mulheres hoje precisam entender o universo político onde estão inseridas. O bom feminismo é lucidez pelas relações políticas que envolvem a humanidade.
 
O tempo é uma questão importante para a mulher?
 
Muito. Acho que é muito difícil, para uma mulher casada, com filhos e que não tenha um marido rico, fazer tudo ao mesmo tempo. As mulheres, historicamente, sempre foram pura doação. Daí o sentimento de culpa. A culpa vem de achar que devíamos alguma coisa. É uma obrigação. A sociedade joga isso o tempo todo: “Vai casar?”; “Vai ter filhos?”; “Está trabalhando?”. Aí é complicado. O tempo é o grande capital. Temos que nos tornar donas do nosso próprio tempo. E, a partir daí, saber fazer escolhas, pois seremos cobradas.
 
É assim para você?
 
Sim, pois sou pai e mãe. Já casei duas vezes. Um dos maridos disse que o meu feminismo prejudicava a nossa relação. O outro, como eu era muito ocupada, nem sabia que eu existia. E durou exatamente por isso. Hoje, o cara vem choramingando. Alguma coisa se inverteu. Não eram as mulheres que chamavam os caras de insensíveis? Eles reclamam e eu penso: “O que está faltando? Não fiz ovos mexidos para você no café da manhã? Não lustrei seu sapato? Não trouxe o jornal? O que está faltando?”. Eu não discuto relação, não consigo e não acho interessante. Adoro o debate, mas detesto papo DR. Eu durmo. O legal nos relacionamentos é ter ética. Significa ter respeito e autorrespeito.
 
As mulheres dizem estar mais exaustas, porém mais felizes…
 
Elas ainda estão muito dependentes de um relacionamento amoroso convencional, um bom partido para casar. Por outro lado, vejo crescendo um sentimento de liberdade muito incomum. Um sentimento de “vou viver a vida”. Para mim, importa muito mais o meu projeto de vida, a minha carreira do que o relacionamento. Não tenho nenhum problema em acabar sozinha, titia, sem ninguém me querendo. Tudo bem, tenho coisas mais importantes para pensar.
 
Você costuma usar muito a expressão “moralina”. Estamos mais caretas?
 
Tirei essa expressão do Nietzsche, é a droga da moral. A cocaína moral é a moralina. O Brasil foi muito rico nos anos 70, havia uma efervescência radical de arte. Hoje, as pessoas estão muito conservadoras. Fiz um debate e as pessoas disseram que eu era muito corajosa. Por quê? Não tem milico na parada, não tem ninguém me proibindo de falar o que penso. Não vou ser cassada. A ditadura acabou e as pessoas continuam com medo de falar. Têm medo de que o outro vá fazer cara feia, de perder o espaço no jornal, o cliente, o convite para a festa. Nem entre amigos as pessoas têm coragem de dizer o que pensam. Parece que têm que viver agradando. A vida assim, sem autenticidade, vale a pena? Se eu não puder ser quem eu sou, valeu viver? Para mim, não. Já acho a vida e o mundo muito chatos. O que me machuca e dá dor existencial profunda, por exemplo, é ver jovem careta. Meninas jovens apregoando o casamento heterossexual, falando mal do aborto, criticando o corpo da amiga, fazendo fofoca.
 
Você acha que a presidente Dilma deveria, por exemplo, levantar a questão do aborto?
 
Não é fácil pisar com muita força nesse território. O Brasil é muito moralista, muito religioso, irreflexivo, e essa questão tem que ser tratada com delicadeza. Mas acho que vai avançar. O que lastimo é que a sociedade combine tanto com a política brasileira, que o governo seja tão corrupto assim como o povo. Que o povo seja moralista, dopado de moralina.
 
As redes sociais estão mudando as relações? Elas têm tanta influência na vida das pessoas?
 
Gosto das redes sociais como gosto da vida como ela está dada. Não acho a melhor coisa do mundo. Ter uma bicicleta é muito mais fascinante do que ter 5 mil amigos no Facebook. Tem muita coisa mais interessante do que essas redes, mas não acho que elas façam mal algum. As pessoas deveriam pensar no uso que fazem delas. Mais uma vez, o problema é a ausência de reflexão e o vazio do pensamento. Acho bacana a troca do Twitter, porque ele é muito curto, sem intimidade – se você for trocar alguma besteira, não vai render. O Facebook é mais cínico. Eu aceito todo mundo nas redes, porque nelas ninguém é meu amigo. A terminologia “amigo” é muito cínica e perigosa, como se a pessoa fosse construir alguma relação ali. Complicado é achar que vai resolver alguma questão de ordem pessoal.
 
Mudou o conceito de privacidade?
 
A gente invadiu a privacidade, e ela está sendo demolida. Mas claro que ela se refaz. Para a privacidade poder existir, é preciso ter uma zona de segredo, algo que eu não possa exibir. Seria amedrontador um mundo onde fosse possível expor tudo. Confio muito na força da intimidade, da privacidade, do caráter secreto da vida. Não é tão fácil devassar isso. Por outro lado, existe o esforço de tornar isso uma mercadoria. Essa mercadoria se constrói à base do desespero das pessoas – e todo desespero tem a ver com a solidão que sentimos. Por isso, elas ficam loucas para namorar, para casar, para ter amigos no Facebook, para ter seguidores, pois não suportam a natural solidão que todos nós temos. Podemos ter amigos, namorados, maridos, mas é bom lembrarmos que estamos sozinhos. Encontramos pessoas que combinam, compreendem e acolhem a solidão, e aí podemos partilhar a solidão um do outro.
 
Quando se fala em TV e internet, a palavra chave é “distância”. Por que as pessoas estão tão preocupadas em diminuir as distâncias?
 
Acreditamos que, eliminando a distância com o outro, estamos próximos de alguém. Essa loucura em busca de encurtar as distâncias é uma busca a fundo perdido. É uma esquizofrenia, uma histeria. O fato é que esse tipo de construção nunca me coloca em um confronto direto com o outro. Quem é o outro com quem terei um confronto radical? É meu colega de trabalho, meu parente, meu vizinho, o mendigo da rua. Esse outro é apavorante. É melhor ter um amigo na Noruega com quem eu falo no Skype do que ter que enfrentar meu filho ou o mendigo da rua.
 

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