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Careca: o dia em que eu percebi que precisava raspar o cabelo

Nossa colunista Ana Barbosa compartilha sua luta contra o câncer de mama.

Por Ana Barbosa (colaborador)
Atualizado em 28 out 2016, 14h37 - Publicado em 17 out 2016, 15h44

Meu cabelo não está caindo, meu cabelo não está caindo, meu cabelo não está caindo, meu cabelo… Vou repetindo, tentando me enganar.Meu cabelo… Pelo menos, não está caindo da forma que eu imaginava. O travesseiro continua limpo e todos os fios do meu precioso cabelinho estão no lugar. Parece. Será que isso quer dizer que não vai cair?

Ao me pentear, mãos e pente voltam lotados de chumaços. Como um bombril, o cabelo fica preso nele mesmo. Emaranhado, não cai sozinho, precisa de um empurrão. Quem sabe se eu não me pentear mais, penso. Aí tampouco dá para lavar, pois quando lavo tenho que desembaraçar o cabelo. E como vou fazer? Viver suja e embaraçada? Chego à conclusão de que não tem jeito. O médico estava certo, vai cair mesmo. E se não cair, diz ele, é porque algo não está funcionando. “Temos que rever a medicação.” O que provavelmente significaria aumentar a dose…

Leia também: Como o câncer despertou a solidariedade das pessoas ao meu redor

Em todo o caso, resolvo não encostar nele por alguns dias. Vem o sábado, meu cabelo está imundo. Ao mesmo tempo, liga a cabeleireira. “Sua peruca está pronta”, diz ela. Difícil me imaginar com aquele negócio na cabeça. Decido ir ao salão para lavar, pois é melhor que façam isso por mim. Nem bem a água começa a correr e penetrar no cabelo, sinto um bolo se formando. Os fios vão grudando uns nos outros, impossível separá-los. Não posso ver, mas sinto o cuidado da Rosinha tentando desemaranhar os nós, na tentativa de prolongar a vida de meus cabelos por alguns dias. Em vão. Depois de quase uma hora, ela se dá por vencida. “É Ana, não sobrou muita coisa.”

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Eu já esperava por isso. Mas, por mais que estivesse preparada, ao me ver no espelho, a própria velhinha, curvada, com ar de doente, só com alguns retalhos ralos de cabelo espalhados pela cabeça, levei um choque. Incrível como a gente nunca está preparada para as coisas ruins, por mais que elas sejam anunciadas com antecedência. E, ainda mais incrível, é que a minha resposta não foi automática. Tive que pensar antes de dizer: corte, raspe tudo! Precisei respirar fundo, juntar forças e segurar as mãos de minha filha que lá estava. As lágrimas vieram aos meus olhos, mas não rolaram. O momento chegou, passou, e elas lá ficaram, quietinhas. Não doeu, não ardeu, não queimou, mas no final restou um gosto de ressaca. Tristeza. Minha cabeça branca, nua, vazia. Careca.

Carecas são para homens, em geral mais velhos. Ou mulheres estilosas. Eu nunca havia me imaginado sem cabelos. Como também nunca havia me imaginado doente. Um ovo com orelhas, olhos e nariz. Coisa de desenho animado. Olho no espelho e não me reconheço. Quem é essa pessoa? A careca recoberta de pontas de alfinetes escuras que afundam ao toque. Será que elas também cairão? Ficarei com uma careca lisinha e brilhante? Passo as mãos receosa, apalpo. Dura, mas recoberta por uma pele meio solta. Pele de joelho, diz meu filho com conhecimento de quem já raspou a cabeça duas vezes.

Sou eu mas não sou, estou toda mudada. Peito novo, sem cabelo, outra cara. Outra pessoa. Acho que posso gostar do que vejo.

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