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Conheça a história da ‘cidade das beldades’ fundada após um adultério

Noiva do Cordeiro (MG) surgiu e ficou isolada após episódios de machismo e fanatismo religioso, mas hoje tem mulheres fortes e até cover de Lady Gaga

Por Ludmila Vilar (colunista)
Atualizado em 21 jan 2020, 22h31 - Publicado em 21 Maio 2015, 16h46

Essa é uma história que começa com machismo, passa por fanatismo religioso e termina com o trabalho árduo e unido de mulheres que decidiram fazer o mundo delas um lugar melhor para se viver. Noiva do Cordeiro é um povoado a cerca de 100km de Belo Horizonte, que ficou fundado e isolado da sociedade por mais de um século porque a fundadora traiu o seu marido. 

Chocada? Eu também fiquei.

Por que é a “cidade das mulheres bonitas?”

Numa busca no Google, há várias menções à Noiva do Cordeiro como uma comunidade formada apenas por mulheres bonitas em busca de maridos. Isso criou um assédio por vezes equivocados e machista. A única verdade é que elas são bonitas. Quanto aos homens, é claro que muitos nasceram e cresceram em Noiva do Cordeiro. Tem ainda os que vieram de fora e se casaram com mulheres de lá.

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A grande maioria deles, no entanto, trabalha na capital e só volta no fim de semana. Daí o boato de que só havia mulheres em Noiva do Cordeiro, o que também já causou muito falatório sobre elas, sempre mais vulneráveis à discriminação.

Episódio 1: o adultério que iniciou tudo

Há mais de 115 anos, Roças Novas, região onde fica Noiva do Cordeiro, era um lugarejo perdido no mundo, onde a fé católica determinava todas as regras de comportamento. Foi preciso ter muita coragem para Maria Senhorinha de Lima largar o marido, um francês chamado Artur Pierre, e passar a viver com Francisco Fernandes, seu amor. Revoltada com o adultério, a família dele tratou de espalhar a história do casal e os habitantes indignados de Roças Novas cortaram qualquer contato.

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Ainda assim, isolados, Maria Senhorinha e Francisco tiveram doze filhos e os criaram num casarão – que até hoje está lá – construído na terra que conseguiram comprar. Grande parte desses filhos foi embora. Quem ficou é, ainda hoje, personagem desse enredo.

Episódio 2:  o casamento com o pastor evangélico que piorou o isolamento

Nos anos 50, a maldição do isolamento no povoado, já chamado Noiva do Cordeiro, começava a dar sinais de trégua. Mas, dessa vez, a polêmica foi o casamento de Dona Delina (neta de Maria Senhorinha), com um pastor da região, com 43 anos, enquanto ela sequer tinha completado 17. Muito rígido, com o tempo Seu Anísio Pereira se tornou um líder local e chegou a impor dois dias de jejum em nome da religião. As rezas eram diárias e às vezes mais de uma vez ao dia.

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A notícia dos novos hábitos logo se espalhou e a sociedade local, católica, ficou incomodada com os cultos. Dizia-se que os moradores de Noiva do Cordeiro usavam a religião como desculpa para não trabalhar e a comunidade conheceu a miséria de perto.

Episódio 3: a mudança começou nos anos 90

Partiu de Rosalee Fernandes, 50, uma das filhas de Dona Delina, o rompimento de Noiva do Cordeiro com o passado. No início dos anos 90, ela explicou ao pai que não seguiria mais os dogmas. “Estudei muito a nossa e as outras religiões e conclui que a nossa não era melhor que nenhuma delas, como ele dizia”. Já doente e bem velhinho, Seu Anísio não relutou.

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A vida sem a rigidez religiosa foi o primeiro passo para tirar o pé da miséria. Com mais trabalho, havia mais dinheiro. Já dos estigmas, foi mais difícil se livrar. Chegaram a dizer que Noiva do Cordeiro era um bordel ou a casa do demônio.

Episódio 4: a neta que faz cover de Lady Gaga

“Até três anos atrás, eu não conhecia ninguém aqui dos arredores” diz Keila Fernandes, 29, irmã de Rosalee e filha mais nova de Dona Delina. Apesar disso, ela é provavelmente o símbolo mais forte da libertação da comunidade.

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Além da lavoura, Keila investe na carreira de cantora, trabalhando como cover de Lady Gaga. Faz apresentações em outras cidades, já participou de programa de TV e foi atração nos corredores da São Paulo Fashion Week vestida com uma roupa feita de bexigas. Ninguém acreditava que aquele mulherão desinibido era também uma lavradora simples do interior de Minas. Keila já gravou até um clipe com a ajuda do pessoal da comunidade.

Os mais velhos incentivam e se orgulham. “Fomos tão reprimidas e discriminadas que não recriminar ninguém é o nosso dogma de hoje”, diz Rosalee, hoje uma espécie de líder do povoado.

Como essas mulheres vivem hoje?

Reprodução/ Instagram
Reprodução/ Instagram ()

De certa maneira, todos ali continuam vivendo um tanto à parte do resto da sociedade. A comunidade tem um sistema social e econômico muito próprio. Cerca de 35 pessoas vivem no casarão central, onde todos da comunidade fazem as refeições e dividem os momentos de lazer, seja um jogo de baralho, um café no meio da tarde ou uma sessão de manicure (uma faz as unhas da outra).

Sessenta casa foram construídas – com a ajuda de todos –  ao redor da central. Os carros, a comida, as casas pertencem à comunidade. Na época em que o documentário sobre a cidade (Noivas do Cordeiro, do diretor Alfredo Alves, 2008) foi lançado, a principal ligação dos habitantes de Noiva do Cordeiro com o mundo era a TV e um orelhão.

Hoje, a nova geração posta fotos no Facebook e assiste a vídeos no celular, enquanto decide se vai estudar fora ou ficar na lavoura. Eles sabem do passado de seus familiares porque conhecem a história, mas nasceram livres e potentes. Liberdade e empoderamento são, aliás, ideais que se tornaram sagrados em Noiva do Cordeiro. Como diz Flavia Emediato, uma das lavradoras, “é muito difícil mudar uma mentalidade, mas quando isso acontece é muito mais difícil voltar atrás”.

 

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