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Entenda porque nem sempre a idade é o mais importante

Apesar da idade ser, sim, referência essencial, será que deveria preponderar em relação a todas as outras características que definem alguém?

Por Bárbara Semerene (colaboradora)
Atualizado em 21 jan 2020, 23h57 - Publicado em 14 abr 2015, 14h35

Para dirigir: 18 anos. Para votar: 16. Para entrar no ensino fundamental: mínimo 6. Para ter cabelos longos: até 40. Para se casar: 30. Para ter o direito de morar sozinha e tomar decisões por conta própria: até os 75.

Ando incomodada com a importância atribuída à idade para definir as capacidades de uma pessoa, independentemente de quem seja ela e desconsiderando todas as suas outras características. A faixa etária é determinante tanto em legislações quanto no comportamento que cada um adota ou considera adequado que o outro tenha.

Apesar de idade ser, sim, referência essencial, será que deveria preponderar em relação a todas as outras que definem alguém? Me parece um critério frágil e opressor. No caso das leis, se não for o número de anos de uma pessoa o critério de corte para definir a maturidade e o preparo dela para realizar certas tarefas – como dirigir ou entrar para um determinado nível de ensino -, o que seria?

Há pouco tempo eu estava pesquisando a melhor escola para meu filho começar a estudar e me deparei com um método pedagógico chamado Waldorf, bastante diferenciado dos demais. Enquanto o STF há pouco tempo definiu 6 anos como a idade de corte para que uma criança entre no ensino fundamental em qualquer lugar do país, a pedagogia Waldorf considera que uma criança está preparada para aprender a ler e escrever quando ocorre o fim da troca da primeira dentição. Acreditam que o desenvolvimento físico é o fator mais apropriado para indicar o ritmo de desenvolvimento afetivo e cognitivo de uma criança.

Ok, normalmente todos os dentes de leite já caíram por volta dos 7 anos. Mas, neste País tão grande, com tamanhas diferenças socioeconômicas e culturais, será que uma criança no interior do Nordeste troca os dentes na mesma idade de uma que mora na capital paulista?

Em termos comportamentais, a visão do que é adequado para cada idade tem sido flexibilizada, principalmente com o avanço da ciência. Há mulheres tendo filhos aos 45 e se casando aos 50 e… tudo bem. Tudo bem mesmo? Os estereótipos ainda são grandes inimigos da gente.

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Me lembrei da minha avó. Ela tem 91 anos e, todas as manhãs, sai a pé de casa para cumprir sua rotina. Vai à feira, escolher legumes e frutas frescas para o almoço, passa na banca para comprar o seu jornal preferido, que lê de cabo a rabo, das manchetes às notas de falecimento. Três vezes por semana, freqüenta a academia, e volta cheia de energia para terminar sua jornada. Tem dias que vai ao banco conversar com seu gerente e pagar as contas. Noutros, pega um táxi para ir ao médico fazer exames de rotina. Ela se sente bem, saudável, cheia de vida. Porém, em cada lugar que chega, algo lhe incomoda profundamente: sempre ouve a mesma pergunta em tom de espanto “Mas a senhora veio sozinha?!!!”. É quando se lembra que tem 91 anos.

Ela mora na mesma casa há seis décadas – a única que sobrou em um bairro já decadente no centro da cidade, que foi invadido por prédios comerciais e uma feira barulhenta de produtos de segunda linha. À noite, a residência fica rodeada de prostitutas e viciados em crack, mas ela se sente segura e acolhida em seu castelo particular, que guarda tantas memórias dos bons tempos em que viveu com seu marido já falecido e seus cinco filhos – todos já crescidos vivendo em seu próprio canto. Estes insistem para que ela se mude para um apartamento em um bairro mais moderno. Mas, diante das negativas da “teimosa” senhora, encheram a casa de empregadas que se revezam para fazer companhia a ela. “Para que isso? Eu fico lendo meus livros e jornais enquanto as moças ficam ali, sentadas no sofá, vendo TV, sem trocar uma palavra”, resmunga.

Ela parece não ter medo de ficar só e convive muito bem com a solidão, obrigada. Nunca a vi reclamando de dores no corpo nem da alma. Não que não as tenha (quem não as tem?), talvez ela apenas ache que não vale a pena falar sobre isso. Minha avó não pretende ser admirada pelo que consegue fazer aos 91 anos: não quer aplausos. Mas muito menos cuidados extremos e desnecessários. Ela quer apenas sentir que continua vivendo como sempre. Afinal, com que idade deveria ter começado a desacelerar, como se a morte fosse um muro logo ali na frente?

Mais árduo do que ir contra a corrente do tempo, que aos poucos vai roubando a lucidez e a energia da maioria de nós – algo que esta senhora tem vencido – parece ser ir contra a pressão de um mundo tão apegado aos números para calcular a capacidade de uma pessoa ser autônoma. 

Chega uma hora que, de repente, a sociedade rouba um direito arduamente conquistado na vida adulta: o de viver como se quer, sem que os outros sintam a liberdade de se meter na nossa vida. Faz sentido, quando o corpo não acompanha mais o ritmo da mente ou vice e versa. Não é o caso da minha avó. Talvez, por conta disso, ela se sinta inadequada para a própria idade. Que inversão de valores: ela se sente nova demais para a idade que tem! E o que deveria ser motivo de orgulho e de admiração vira um fardo.

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Além do peso do próprio corpo, são os olhares alheios que fazem alguém se sentir velho. Já me senti velha bem jovem e em diferentes pedaços da minha vida: aos 20 e poucos, 30 e poucos e aos 30 e tantos anos. Não foi quando vi meu primeiro cabelo branco, nem a primeira celulite. Tampouco quando apareceu a primeira ruga. Me senti velha em momentos em que a minha própria idade não correspondia à expectativa social internalizada em mim. A gente cria uma espécie de roteiro de vida no nosso inconsciente, a partir de exemplos que vamos absorvendo desde muito crianças. E quando a vida escapa desse script e rompe aquela linha que “deveria ser reta”, é bem aí, que a gente muitas vezes se sente “velha”.

Casar-se, por exemplo, ainda parece ter idade certa para acontecer na cabeça de muitas mulheres. Eu sempre achei que não tinha essa ânsia pelo matrimônio, não o via como um fim, nem como um meio de alcançar a felicidade. Porém, quando aos 29 anos terminei um namoro de longa data, me peguei me achando velha para estar solteira, com medo de ficar sozinha para o resto da vida.

Ah, se a gente pudesse contabilizar o número de sofrimentos, o número de superações e o de alegrias que vamos acumulando. Talvez esse fosse o melhor critério para determinar o nosso nível de preparo para cada situação da vida. 

Matéria publicada em Brasil Post.

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