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O que é possível decidir ainda em vida sobre a própria morte

Herança, doação de órgãos, ser submetida a tratamentos agressivos de doenças: tudo isso pode ser definido enquanto houver lucidez

Por Raquel Drehmer
Atualizado em 17 jan 2020, 14h40 - Publicado em 6 out 2017, 23h37

Falar sobre como devem ser organizadas as coisas que se referem ao fim da própria vida não é exatamente o assunto preferido da maioria das pessoas na nossa cultura. Na verdade, enquanto estamos abaixo da expectativa de vida do país (a do Brasil atualmente é 74,68 anos), o comum é ir vivendo sem pensar muito nisso, bate na madeira, um-dois-três.

Mas existem benefícios em respirar fundo e deixar o máximo possível definido e ajustado enquanto se tem lucidez – até porque, falando bem francamente, nunca se sabe quando alguma providência precisará ser tomada. Por exemplo: em casos extremos de doença ou de acidente, ser mantida viva por aparelhos ou deixar a natureza tomar seu rumo? Doar os órgãos ou não? Deixar tudo que for possível para uma ONG?

Tomar esse tipo de decisão pode evitar transtornos para a família e para os médicos e situações que não façam parte das vontades ou crenças da pessoa. Para todas elas existem as noções de respeito e de limites, que especialistas explicam a seguir.

Herança: posso deixar tudo que tenho para uma ONG?

A única possibilidade de deixar tudo que você juntar ao longo da vida para ajudar gatinhos, crianças carentes ou a causa que mais lhe tocar o coração é se você não tiver nenhum herdeiro legítimo E deixar isso registrado em testamento.

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“Caso não haja herdeiro legítimo ou testamento, os bens serão entregues à União ou aos municípios/Distrito Federal”, afirma a advogada Silvia Poletti, do escritório Cintia Lima Advocacia e Assessoria Jurídica.

Então vamos lá, por partes. Primeiro é importante saber quem é considerado herdeiro legítimo. A advogada explica que são, inicialmente, o cônjuge e os descendentes (filhos ou netos). Se não houver descendentes, os bens ficam para o cônjuge e os ascendentes (pais ou avós). Se não houver ascendentes, tudo fica para o cônjuge. E, se não houver cônjuge, fica para os parentes colaterais (irmãos, tios, sobrinhos e primos).

Em seguida vem o que cabe a esses herdeiros: eles têm direito a 50% dos bens da pessoa, mesmo que haja a tentativa de deixar tudo, em testamento, para uma ONG ou para um amigo. O máximo que pode ser deixado para outras pessoas ou instituições, portanto, é 50%. “Se o testamento desrespeitar esta regra, que é o artigo 1789 do Código Civil, ele não será válido. Os direitos dos herdeiros são garantidos pela Justiça”, conta Silvia. É diferente de como funciona nos EUA: lá, o que está escrito no testamento é o que vale, com herdeiros ou não.

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(siraanamwong/ThinkStock)

Existem exceções, mas são casos muito extremos de deserdação e de exclusão de sucessão que envolvem agressão física, injúria grave, relações ilícitas com o padrasto ou a madrasta, desamparo e homicídio. A imensa maioria das divisões de bens não precisa levar isso em consideração.

Doação de órgãos: a decisão é de cada pessoa, porém…

… Há brecha legal.

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“A decisão de doar seus órgãos é pessoal. Isso deve ser deixado expresso para a família ou para os médicos”, afirma Claudia Nakano, advogada especializada em direito à saúde do Nakano Advogados Associados. “Normalmente, a vontade da pessoa é respeitada. Quando há óbito, o hospital pergunta à família e esta autoriza ou não, de acordo com o que foi dito em vida.”

É possível, porém, a família decidir pelo contrário. “Pela lei brasileira, a retirada de órgãos e tecidos da pessoa falecida depende de autorização de cônjuge ou parente de até segundo grau – ou seja, pais, filhos, avós e netos. O interesse da pessoa em doar manifestado em vida não tem validade legal, ainda que registrado em carta, testamento ou qualquer outro documento”, esclarece Silvia.

O lance é conversar bastante e pedir que aqueles que lhe amam respeitem seu pedido. O resto fica por conta da consciência deles.

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Tratamentos agressivos, aparelhos de suporte de vida, cuidados paliativos

Toda pessoa maior de 18 anos de idade e em pleno domínio de suas faculdades mentais (simplificando: lúcida) tem o direito de escolher quais tratamentos agressivos ou dolorosos podem ou não ser usados nela em situações extremas (um acidente, por exemplo) e de recuperação de uma doença em estado terminal. Também pode decidir se quer ser mantida viva por aparelhos de suporte à vida ou se recusa esse recurso.

Isso está na resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que a Justiça segue, e recebe o nome oficial de Diretivas Antecipadas de Vontade. “São conjuntos de desejos manifestados por pacientes sobre como eles querem ser cuidados. Os médicos explicam todos os detalhes dos possíveis tratamentos e os pacientes decidem se aceitam ou recusam. A recusa fica registrada em prontuário e os médicos acatam”, explica Toshio Chiba, coordenador do Serviço de Cuidados Paliativos do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo).

Mesmo recusando os tratamentos agressivos ou a manutenção artificial da vida, nenhum paciente pode se negar a receber cuidados paliativos – acompanhamento psicológico, medicamentos de uso doméstico para amenizar a dor, atendimento médico pontual. Isso é o que manterá sua qualidade de vida até o final. “A equipe médica acolhe a recusa, procura entender como essa pessoa quer viver seus últimos dias. É preciso haver muita disponibilidade emocional por parte de todos ao redor. Todos têm o direito e merecem esse respeito”, afirma.

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Toda pessoa pode recusar tratamentos agressivos ou manutenção artificial da vida, mas não pode se negar a receber cuidados paliativos (Design Pics/ThinkStock)

Claudia diz que legalmente, para tentar forçar um tratamento contra a vontade do paciente, a família pode tentar recorrer a uma interdição jurídica e alegar que ele não tem discernimento para a recusa. “Já houve casos em que a interdição foi aceita, mas a Justiça tende a respeitar a Diretiva Antecipada de Vontade e entender que quem tem o poder final de decisão é o paciente.”

O que acontece com certa frequência, de acordo com Toshio, é a pessoa tomar a decisão de recusar tratamentos quando não está em um estágio avançado da doença e, lá na frente, mudar de ideia. Não tem problema nenhum. “A recusa é revogável a qualquer momento. Se houver essa mudança de planos por parte do paciente consciente, ele poderá ser submetido aos tratamentos agressivos que antes não queria, poderá ir para uma UTI, receber drogas vasoativas”, garante o médico.

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