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Sou evangélica e a favor da legalização do aborto

Por Talita Ribeiro (colaboradora)
Atualizado em 21 jan 2020, 21h24 - Publicado em 12 jun 2015, 12h46

Não comente antes de ler. Este é o meu primeiro pedido, porque sei que muitos terão vontade de fazer isso após verem o título desse post. Mas, por favor, tente aguentar só um pouquinho a necessidade de impor a sua opinião e sua “moral” antes de entender o que o outro, nesse caso eu, pensa. Sei que com esse texto estou abrindo um imenso teto de vidro para pedras que virão de variados lados, porém, acho importante lançar este debate no meio das mulheres cristãs.

Eu não sou a favor do aborto, mas sou a favor da legalização dele até o início do terceiro mês de gravidez, para que mulheres não continuem morrendo após a intervenção em clínicas clandestinas e em condições precárias, para que mulheres não continuem sendo marginalizadas após um ato de escolha sobre o seu corpo, com base nas suas crenças e realidade. Sou absolutamente contra a imposição da minha fé e meus preceitos morais a todxs.

Se Deus, que é Deus, deu livre arbítrio aos seres humanos, por que eu, que sou apenas uma “pessoa”, defenderia intervenções legais que limitam e, muitas vezes, condenam mulheres à morte e a complicações psicológicas e de saúde? Com base na minha fé eu faço as minhas escolhas e espero que todos tenham esse direito. Porém, sei bem que como sociedade temos que viver de acordo com algumas regras, baseadas em algo comum a todos, como a racionalidade, por isso a observação sobre a legalização até a 8ª semana de gestação, quando o embrião é o que eu chamo de “possibilidade de vida”, não um “ser vivo”, já que ainda não tem atividade cerebral.

Segura o dedo antes de me xingar! Quando uma pessoa deixa de ter atividade cerebral nós a consideramos morta, não é? É morte cerebral e ninguém discute isso. Por que eu deveria tratar um embrião – ele ainda não é nem um feto -, como um ser humano vivo, se ele não tem sinapse e é apenas uma possibilidade de vida, que depende 100% do corpo da mulher para se desenvolver? Um embrião não se desenvolve se a mulher que o carrega não estiver… Viva. Quem nós devemos proteger, então?

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Sempre quando leio “a favor da vida”, fico pensando porque quem consegue ver vida até em um embrião não consegue enxergar o óbvio, a vida da mulher que o carrega, mesmo sem querer. “Mas ela deveria ter evitado.” Você sabe em que contexto esse embrião foi gerado? Em uma cultura em que a mulher é “sempre culpada”, não é de se estranhar que ninguém se dê ao trabalho de olhar de forma mais ampla a questão do aborto e da sexualidade no Brasil e no mundo.

A violência sexual contra mulheres ainda é um tabu para boa parte da nossa sociedade, que prefere dizer que nós “provocamos”, “procuramos”, “não evitamos”… A encarar que NADA justifica um estupro. “Ah, mas nesse caso a mulher já pode abortar.” Pode mesmo? Mas só se ela assumir que foi estuprada e estender a humilhação de ter sido violentada por delegacias machistas, juizados de um estado que finge ser laico, hospitais superlotados, médicos que não querem realizar a intervenção, os vizinhos que “desconfiam”, religiosos que a condenam…? E só se der a “sorte” de morar em uma cidade com centros de referência, não é?

É injusto. É violento. É desumano. E se eu sou cristã e a bíblia diz que nós vivemos através da compaixão, da misericórdia e do perdão que compartilhamos, não posso aceitar isso. E mais, não posso apoiar que o Estado intervenha nas decisões de uma mulher com base nas minhas crenças. Porque, como o Pr. Ed René Kivitz colocou em uma entrevista, “se quiserem construir uma sociedade que apedreja e condena pecadores, nós vamos apedrejar uns aos outros e o último apedrejará a si mesmo e morrerá. Não se constrói uma sociedade que discute pecado e penaliza o pecado. Não se deve julgar, mas discernir o que é certo, o que eu quero ou não pra minha vida, e respeitar e acolher o outro que escolhe diferente”.

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É disso que estou falando, do direito do outro fazer inclusive o que eu acho errado. Até porque faço várias coisas que são condenáveis em outras religiões e, sendo sincera, na minha também. E ficaria muito incomodada se o estado quisesse tomar o lugar de Deus e me julgar por esses atos ou impor como devo ou não me relacionar com o meu corpo. “Mas isso é só a sua opinião contra a bíblia”, não, isso é só a minha opinião com base na história de Jesus que é contada na bíblia. Duvida? Então leia a passagem João 8, do versículo 1 ao 11.

O meu Deus é o que não deixa uma mulher ser apedrejada em praça pública, que levanta uma juíza comoDébora para libertar seu povo, que escolhe uma prostituta para andar ao seu lado, que cura uma mulher que todos evitavam, que ressuscita/sara uma menina considerada morta, que ama e honra as mulheres. Não o que as subestima ou tenta domá-las, esses são os religiosos, que não merecem a minha fé, voto ou apoio.

(Texto escrito e publicado em 2013, no blog Cem Homens. Porém, como o debate entre cristão não evoluiu muito nesses dois anos, acho que vale a pena republicá-lo, para incentivar uma reflexão e também mostrar que nós, os evangélicos, podemos pensar e nos posicionar a favor de um estado laico, sem abrir mão da nossa fé para isso.)

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