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Uma incrível jornada: de gêmeos idênticos a irmão e irmã

Um novo livro conta a experiência extraordinária de criar uma criança transgênero.

Por Melissa Jeltsen (colaboradora)
Atualizado em 21 jan 2020, 17h16 - Publicado em 3 nov 2015, 11h45

Quando Wayne e Kelly Maines adotaram um par de meninos gêmeos, 18 anos atrás, não tinham ideia do rumo que suas vidas tomariam. Wayne, veterano da Aeronáutica e amante da vida junto à natureza, queria pescar, caçar e jogar beisebol com os meninos. Kelly estava empolgada com a ideia de ter filhos depois de anos de tratamentos de fertilidade sem resultado.

Wyatt e Jonas Maines são gêmeos idênticos, mas desde cedo ficou claro que eles tinham uma diferença fundamental: o gênero. Desde muito pequeno, Wayne se identificava como menina. Quando ele tinha dois anos, disse para o pai que odiava seu pênis. Perguntava para a mãe quando poderia virar menina. Na quinta série, Wyatt adotou oficialmente Nicole como seu nome.

Em Becoming Nicole: The Transformation of an American Family (“Tornando-se Nicole: a transformação de uma família americana”, em tradução livre), Amy Ellis Nutt, escritora vencedora de um Prêmio Pulitzer, acompanha os Maines nessa jornada de descoberta.

De acordo com o relato de Ellis, Nicole é quem mais tem a ensinar à família. Ela sabe quem é; à família cabe ouvir. A narrativa, que leva os leitores de uma pequena cidade rural do Estado do Maine até a Casa Branca, inclui bullying, brigas familiares e um caso histórico de direitos dos transgêneros na Justiça.

É a culminação de uma história que venho acompanhando desde 2010. Conheci Nicole quando ela tinha 12 anos e era paciente do Children’s Hospital Boston, onde eu trabalhava como redatora, na época[link em inglês]

Seu médico era Norman Spack, endocrinologista pediátrico e co-fundador da primeira clínica para crianças transgênero dos Estados Unidos. No Children’s Hospital, Nicole recebeu remédios para suprimir a puberdade – um tratamento inovador para crianças transgênero que essencialmente pausa a puberdade, impedindo o corpo de desenvolver mudanças físicas indesejadas.

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No caso de Nicole, tomar esses remédios significou não desenvolver pomo-de-adão, pelos faciais e outras características masculinas que poderiam causar ansiedade extrema e dificultar a transição na vida adulta.

Me pautaram para escrever uma reportagem sobre ela e o trabalho de Spack com crianças transgênero.

Quando entrevistei Nicole e sua família, eles atravessavam uma época difícil. Tinham acabado de se mudar de Orono, Maine, para Portland, porque Nicole era vítima de bullying na escola por usar o banheiro feminino. Nicole vinha usando o banheiro das mulheres sem problemas até um colega começar a segui-la. Ele alegava que, se Nicole podia usar aquele banheiro, ele também tinha o mesmo direito. A resposta da escola foi proibir Nicole de usar o banheiro das meninas – ela tinha de ir ao dos funcionários, isolada dos outros alunos. Os Maines tiraram os filhos da escola e entraram com um processo por discriminação.

Em 2014, sete anos depois do primeiro incidente no banheiro, a família obteve uma vitória expressiva: a Suprema Corte do Estado do Maine decidiu que, ao impedir Nicole de usar o banheiro feminino, a escola violou as leis estaduais antidiscriminação. Foi uma decisão histórica, a primeira vez que uma corte estadual decidiu que estudantes transgênero devem ter acesso aos banheiros do gênero com que se identificam. 

Nicole passou por cirurgia de confirmação de gênero este verão. Ela o irmão agora estudam na Universidade do Maine. Entrevistei Nutt sobre o processo de escrever Becoming Nicole. Leia a seguir uma versão editada e condensada da conversa.

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Por que a história de Nicole te atraiu?
É impossível não gostar dos Maines depois de conhecê-los. O que me chamou a atenção é que eles pareciam uma família muito comum. Mas a história deles é extraordinária. Acho que muita gente se identifica com eles. Outra coisa que me atraiu é o fato de que Nicole e Jonas são gêmeos idênticos. Para quem escreve sobre ciência, era uma oportunidade de discutir a ciência dos gêneros.

Eles são gêmeos idênticos e têm exatamente o mesmo DNA, mas é óbvio que são profundamente diferentes. O que aconteceu para ligar ou desligar algumas chaves do DNA em um e não no outro vem do útero. Se olharmos para a identidade de gênero como algo que tem a ver com o cérebro e não com a genitália com que se nasce, ou com a criação, ou com o fato de brincar de boneca ou carrinho, acho que é algo muito importante.

Qual foi a coisa mais surpreendente que você descobriu ao escrever o livro?
Do ponto de vista científico, a coisa mais surpreendente é que, pelo que sabemos, a identidade de gênero é um processo cerebral completamente separado no desenvolvimento pré-natal. Na sexta semana [de gestação], nossa genitália e nosso aparelho reprodutivo já foram determinados como masculino ou feminino, mas é só no sexto mês que nossos cérebros são masculinizados ou feminilizados pelos hormônios. Isso abriu meus olhos.

Da perspectiva da família, saber que Nicole sempre foi quem é, desde o nascimento, foi uma surpresa. Assisti horas de vídeos [dos gêmeos quando crianças]. É impossível assistir aos vídeos e não ter a impressão de que essa criança tinha certeza absoluta de que era menina. Aos 2 anos, você mal tem vocabulário para se comunicar, muito menos para dizer que seu corpo e seu cérebro não estão de acordo um com o outro. É algo tão essencial para a identidade da criança que é impossível achar que bonecas ou roupas de menina possam ter influência.

O que você gostaria que as pessoas tirassem do livro?
Acho que qualquer leitor vai encontrar algo com o que podem se identificar. Mesmo que seja um livro sobre uma criança transgênero, ele fala de família, de compreensão. É a história de quatro vidas, não uma única. Não é a biografia de uma criança transgênero – é a biografia de uma família. Espero que as pessoas possam conhecer essa família e, assim, entendam que ter uma criança transgênero não é um destino cruel. Nicole não é diferente de qualquer outra menina. Ela só sabia quem era. Ela sabia que seu corpo não estava de acordo, e sua família a ajudou a encontrar a reposta.

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Esta matéria foi originalmente publicada no Brasil Post.

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