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Você já teve um dia de Angelina Jolie? Eu tive (e não no bom sentido)

Cuidado quando, ao elogiar a aparência de uma mulher, se desconsidera o poder de crítica dela

Por Ludmila Vilar (colunista)
Atualizado em 21 jan 2020, 22h27 - Publicado em 22 Maio 2015, 14h49

Não era a ONU, não estavam presentes os homens mais poderosos do planeta, não era para mudar o mundo. Era só uma reunião de condomínio improvisada numa garagem meio capenga. A pauta: aumentar a segurança devido aos roubos que estavam acontecendo no prédio – e dos quais eu havia sido uma das vítimas.

Volta um ano e meio: entro em casa, tudo no chão. Roupas, livros, bolsas. O que não estava no chão, estava faltando: TV, DVD, celular, dinheiro (daqueles que sobram da viagem e a gente deixa guardado para aproveitar na próxima). Foi preciso mais três roubos e uns 18 meses de tensão para que a gente conseguisse aquela assembleia. De um lado, inquilinos dos 36 apartamentos. Do outro, os três proprietários de todos eles. Estávamos em maior número e em menor vantagem. Não precisa explicar a matemática. Eles eram os donos e não tinham a menor intenção em gastar dinheiro investindo num edifício onde não viviam.

O predinho onde eu morava não era a ONU, mas funcionava parecido. O que os donos da bola não queriam, não acontecia. Momentos antes da reunião, encontrei o proprietário do meu apartamento: “Você está cada vez mais bonita, menina! Você era assim?”, me disse o Seu Otávio, como se fosse meu avô saudoso. A diferença é que eu pagava para ele um naco do meu salário pelo aluguel – cobrado religiosamente todo dia 5, sob pena de multa de 20% por um dia de atraso.

Seu Otávio era carismático e tinha por mim o mesmo respeito que temos por quem que não levamos a sério. A única coisa séria era o contrato leonino. “Peraí que a mocinha quer falar. Fala, meu bem”. A frase, vinda de um dos outros proprietários quando levantei a mão, encerrou minha participação no evento da garagem. Antes de me despedir, Seu Otávio disse mais uma vez que eu estava bonita. O portão novo, que reforçaria a segurança, nunca chegou.

 No dia 24 de abril deste ano, Angelina Jolie discursou na Assembléia da ONU, em Nova York, como Enviada Especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Ela falou para o Conselho de Segurança (CS), órgão da ONU que tem a vaga e ampla função de “manter a paz do mundo” – se tem alguém que pode mudar as coisas, esse alguém está sentado lá. Angelina, que tem credenciais inquestionáveis para falar sobre refugiados, acusou esses países de nada fazerem pelos quatro milhões de sírios vítimas do conflito que já dura quatro anos no país deles.

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Após a sessão, muitos a cumprimentaram com respeito, menos o embaixador da Síria. Um pouco debochado, se limitou a dizer: “Ela é muito bonita”. O comentário propositalmente infeliz só pode nos fazer concluir que o embaixador da Síria é o Seu Otávio da ONU.

O proprietário do apartamento que eu morava se recusava a fazer melhorias e me tratava como a neta bonitinha e café-com-leite, numa tentativa de não levar a discussão pra frente.  O embaixador usa a mesma tática para lidar com um problema envolvendo o sofrimento de quatro milhões, veja bem, QUATRO MILHÕES de pessoas.

Ao elogiar a aparência de Angelina, ele tentou desconsiderar o poder de crítica da atriz, quase chamando-a de ingênua, de menina linda e (por isso) boba.  Uma postura que certamente diz muito sobre ele, sobre o governo do país dele e sobre a ineficácia da ONU.  Mas não só. Cada uma com a assembleia que lhe cabe – a minha foi numa garagem capenga, a sua pode ser numa reunião de trabalho – os “Seus Otávios” da vida não são, vejam só, um privilégio de Jolie.

 

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