Cassia Kis Magro conta que abriu mão de qualquer vaidade para viver a Dulce
A estrela que vem arrebatando o Brasil com sua renegada mãe em Morde & Assopra abre seu coração
“Trato a Dulce como trato todas as personagens que faço. Cada uma tem uma história”, diz Cassia Kis
Foto: Divulgação – Rede Globo
Em sua estreia na TV, na novela Cara a Cara (Bandeirantes, 1979), Cassia Kis Magro contracenava com Fernanda Montenegro. Começava bem, não? De lá para cá foram 20 novelas, sete minisséries, 16 filmes, participações em diversos programas e personagens inesquecíveis, como a Ana Paranhos, de Barriga de Aluguel (Globo, 1990), que aluga a barriga de uma mulher mais jovem para realizar o sonho de ser mãe.
Outro de seus papéis marcantes foi a Maria Marruá de Pantanal (Manchete, 1990), que morre defendendo sua filha e suas terras. E a atriz gosta muito de um episódio do programa Você Decide, chamado Mamãe Coragem (Globo, 1992), cujo dilema de uma mãe é vender ou não uma de suas cinco crianças para salvar as demais. Agora ela emociona o Brasil inteiro com mais uma mãe incrível, a Dulce, de Morde & Assopra, da Globo, uma mulher humilde que se sacrificou para que o filho, Guilherme (Klebber Toledo), estudasse medicina e descobre que ele gastou seu dinheiro e não se formou médico coisa nenhuma. E pior: ele a renega diante da noiva riquinha e da cidade toda.
Sua interpretação é comovente e já vem rendendo apostas de que lhe sobrarão prêmios de melhor atriz do ano. Na vida real, Cássia é mãe zelosa de quatro filhos: Joaquim, 15 anos, e Maria Cândida, 13 (do casamento com o publicitário João Alberto Fonseca); Pedro Gabriel, 7, e Pedro Miguel, 6 (da união com o jornalista Sérgio Brandão). A atriz atualmente é casada com o psicanalista João Baptista Magro Filho.
Corajosa, em 2007 ela revelou sofrer de bulimia e transtorno bipolar, que controla com remédios. E para o atual trabalho esqueceu qualquer tipo de vaidade. Em cena, aparece com roupas simplérrimas, corpo curvado e uma prótese dentária que dá a impressão de uma boca destruída pela pobreza. Um visual totalmente diferente do exibido, por exemplo, na festa da trama de Walcyr Carrasco, na qual surgiu deslumbrante.
A Dulce tem o poder de emocionar o público… O que a leva a atingir tal carga de dramaticidade?
Trato a Dulce como trato todas as personagens que faço. Cada uma tem uma história, um jeito de se conduzir. Tem trabalho por trás, dedicação, pesquisa, amor pelo que faço. Tem a minha história, a do Walcyr, a do Rogério (Gomes, o diretor de núcleo) e a confiança que eles depositam em mim.
Como foi o seu trabalho para criá-la?
Se você cozinha bem, você é uma artista da culinária, se é um bom arquiteto, é um artista da arquitetura… Um gari pode ser um artista naquilo que faz. Eu sou uma atriz, uma contadora de histórias, e tive a felicidade de ser treinada para isso. Tenho uma ambição: quero ser a melhor atriz do Brasil. E até os meus 65 anos acho que conseguirei (ela tem 53).
Mas você se inspirou em alguém?
As histórias não caem do céu. Eu fui pesquisar. Quando recebi a personagem, soube que ela era uma mulher muito humilde. Então fui para o Recife (PE) por sugestão do meu marido. Um dia, vi uma mulher empurrando um carrinho na rua. Ela estava de saia branca e blusa pink. Vendia banquinhos, feitos por ela, a R$ 5. Conversamos e a vi de perto, com seus dentes estragados. Meu marido me filmou ao lado daquela mulher, levei o filme para o Projac e disse: “Quero fazer a Dulce assim, com roupa colorida e uma prótese para ficar com os dentes desse jeito”.
E ela é mesmo muito humilde…
Sim, ela achava que tinha um filho que estudava medicina, mas parece que não vai ao dentista há uns 15 anos. É assim que a história vai seguindo, o Walcyr está gostando do meu trabalho e se inspira… E eu gosto do que ele escreve e me inspiro.
Emoção como Dulce, contracenando com Klebber Toledo em Morde & Assopra
Foto: Divulgação – Rede Globo
A Dulce se anula diante do Guilherme por alguma culpa do passado?
Não acredito. Ela pensa que cometeu enganos por ser ignorante, não ter estudos… Mas ela não é burra e vai começar a se questionar, a se perguntar “onde eu errei?”.
Por que a Dulce faz tanto sucesso?
Esta é a questão que mais me interessa na Dulce. E também a que interessa ao público. Ela faz sucesso porque discute a relação mais importante no mundo: a familiar. E mais ainda, a de mãe e filho.
E por que tamanho interesse?
Porque na nossa cultura os pais estão virando escravos dos filhos. Porque a Dulce nos leva a perguntar quem errou nesta história toda. Como o Guilherme se construiu assim… Assim como a Dulce, os pais de hoje estão criando monstrinhos dentro de casa!
Você pode dar um exemplo da vida real?
Agora mesmo, quando fui buscar meus filhos no colégio, vi uma cena destas… Um garoto de uns 6 anos deixou o pirulito cair no chão e a mãe não queria que ele pegasse. O menino começou a morder a mãe, jogou a mochila no chão… E ela dizia: “Espera até a sua irmã sair da escola que eu compro outro pra você”. Mas ele continuou mordendo a mão dela. O que ela fez? Foi comprar outro pirulito. Os pais de hoje estão criando manipuladores cruéis que os tratam como se fossem lixo. Ou a gente abre bem o olho em cima dos nossos filhos ou tudo se perde.
Como você é com seus pequenos?
Agora mesmo estou às voltas com o Joaquim, que andava deixando o estudo para jogar videogame. Então tirei o game até ele jogar menos e recuperar o gosto pelo estudo. Filho requer muita atenção.
Educar não é nada fácil, mesmo!
Costumo dizer: se você não quiser ter trabalho, não tenha filhos. Ter filhos exige estudar, pesquisar. Quem tem filho se ocupa e se preocupa a vida inteira. Arrumar filho é uma encrenca maravilhosa!