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Peixão com mandinga

Elogiado pelos maiores craques da culinária, o paraense Thiago Castanho inventa novas maneiras de usar ingredientes tradicionais da região amazônica. Até ervas usadas em feitiços e na medicina popular vão parar em seus pratos

Por Luara Calvi Anic
Atualizado em 16 jan 2020, 05h03 - Publicado em 30 jan 2013, 21h00

 

Já com dois restaurantes, Thiago pensa em abrir um terceiro- só para as receitas experimentais
Foto: Revista LOLA

O chef paraense Thiago Castanho desembarcou em um evento gastronômico em São Paulo, no ano passado, com um companheiro de viagem de chamar a atenção: um pirarucu de 1,5 metro de comprimento, 48 quilos e uma bocarra de arrepiar. ”Seis pessoas carregavam o peixe! Parecia uma baleia, foi uma coisa incrível”, diz a escritora e colunista Nina Horta, presente na plateia do evento. O pirarucu teve de embarcar em dois voos – num monomotor saindo de um criatório de peixes, na Ilha de Marajó, e num avião de carga. Como sua pesca é controlada pelo Ibama, cada peixe criado em cativeiro deve ter identificação própria. ”Ele tinha mais documentos do que eu!”, brinca o chef.

Vira e mexe, o pirarucu, típica espécie da Bacia Amazônica, faz dupla com Thiago por aí. Em tempos em que valorizar ingredientes locais é quase um mantra de muitos chefs, o paraense aproveita os olhares curiosos para, com toda a sua pinta de galã, divulgar a cultura e a culinária da região amazônica, ainda exótica para o paladar brasileiro e internacional. ”A Amazônia não é só uma despensa de ingredientes para a gastronomia internacional. Aqui, cada peixe, cada especiaria, tem uma tradição de uso e preparo”, diz Thiago.

Elogiado por craques como Alex Atala, do D.O.M., eleito com apenas 24 anos chef 2011/2012 pelo prêmio Revista Veja Comer & Beber, Thiago fala com a autoridade de quem, ao lado do irmão mais novo, Felipe Castanho, toca dois restaurantes em Belém, o Remanso do Peixe e o Remanso do Bosque. Quando apresenta uma nova receita em público, faz questão de mostrar também a preparação tradicional. ”Ele está atento às novas técnicas, mas o ambiente paraense o segura com o pé na tradição”, diz Carlos Alberto Dória, autor de livros como A Formação da Culinária Brasileira. O sociólogo era outro presente na chegada do pirarucu em São Paulo. ”Ao mesmo tempo que apresentava novas formas de defumar o peixe,Thiago se desculpava pela alteração no modo de preparo original. Ele é sempre cuidadoso ao falar da cultura local”, observa.

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Seguindo a linha de gourmets que combinam alta gastronomia com descobertas regionais,  como o próprio Alex Atala faz, ele tem a seu favor o fato de que, desde pequeno, teve acesso a ingredientes nunca antes provados por muitos brasileiros. Seu pai, o contador Francisco da Silva Santos, sempre gostou de cozinhar. E os filhos eram seu braço direito na hora de buscar ervas no jardim ou um peixe no mercado. Com 10 anos de idade, percebendo as dificuldades financeiras da família, Thiago sugeriu que o pai abrisse uma pizzaria. E assim foi. Enquanto o pai cuidava do forno e da massa, os irmãos entregavam a pizza na vizinhança. 

Três anos depois, a farinha deu lugar às peixadas paraenses e a sala da casa foi dominada por mesas e cadeiras. Na época, os irmãos e a mãe atendiam os clientes enquanto o pai orquestrava as panelas. Nascia o Remanso do Peixe, hoje especializado em peixes de água doce e frutos do mar cozidos em panela de barro. Há cinco meses, a família inaugurou o Remanso do Bosque – cujo cardápio tem peixes assados, massas e carne bovina da raça red angus. ”No início, nós quatro éramos toda a mão de obra. Tínhamos que nos envolver para fazer o restaurante acontecer. Com o tempo, ele cresceu a ponto de não termos mais como sair desse mundo. Fui estudar gastronomia”, lembra, ele Thiago, sotaque paraense carregado. 

Sozinho, com apenas 16 anos, o chef mudou-se para Campos de Jordão, em São Paulo, para estudar na Faculdade Senac. ”Foi uma aventura”, diz. ”Não tinha ninguém conhecido por lá, mas estava tudo muito organizado na minha cabeça.” Ao final do curso, e sem nunca ter pisado na Europa, engatou um estágio de seis meses com o chef Vitor Sobral, no Terreiro do Paço, em Portugal. De volta ao Brasil, foi aplicar o conhecimento nos negócios da família, como pretendia desde o início. E começou a inovar em meio à tradição.

O feiticeiro

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Em 2008, Thiago montou uma cozinha-laboratório para testar suas experiências com ingredientes locais. Uma delas, o torresmo de pirarucu (ele de novo), é o resultado de dois meses de pesquisa em busca de uma textura crocante para a pele do peixe. A ideia do petisco veio de uma visita à Ilha Mexiana, no Arquipélago de Marajó. Lá, locais aproveitam o pirarucu por completo. Costuram até bolsas com o couro.

Foi nessa onda de vasculhar os hábitos de seus conterrâneos que ele se transformou num verdadeiro chef mandingueiro – ou apreciador de ervas de mandinga. O objetivo de Thiago é trazer para sua cozinha ervas usadas especialmente em feitiçaria, na medicina popular e na indústria de cosméticos. Tem dado certo. Habitué do setor de ”erveiras” do Mercado Ver-o-Peso, uma espécie de jardim botânico desse tipo de ingrediente, o chef carrega tudo para sua cozinha-laboratório.

Com a orientação de químicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que o ajudam a identificar possíveis ervas venenosas e indicam a quantidade saudável a ser usada, ele vai testando novos aromas e sabores. Essas experiências são apresentadas no menu degustação do Remanso do Bosque. Um exemplo é o cumaru, árvore usada na medicina popular como broncodilatador e presente na fragrância de perfumes de luxo. Thiago acrescentou raspas das sementes a uma sobremesa – creme brûlé de banana aromatizado com amburana e coberto com suspiro de cumaru.

O paraense continua na busca por novos ingredientes. E, todos os meses, recebe um chef diferente para cozinhar e trocar ideias em seu restaurante. Já passaram por lá os paulistanos Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó; Raphael Despirite, do Marcel; e Thomas Troisgros, do Olympe, no Rio. Neste mês, a visita é de Roberta Sudbrack, também com restaurante no Rio. Os próximos nomes são Bel Coelho, Alex Atala e até Vitor Sobral, para quem Thiago trabalhava quando morou em Portugal.

Thiago pensa também em abrir um restaurante menor, apenas com suas receitas mais experimentais. Por enquanto, ao lado do irmão e dos pais, vai investindo nos Remansos.  ”A cozinha é um lugar pra gente maluca e feliz. Não é uma vida muito fácil, é preciso ter liderança, administrar a pressão de cliente e garçom, o calor. Não adianta insistir: ou você gosta ou está fora.”
 
Em tempo: o pirarucu de 1,5 metro levado para São Paulo virou presente para Alex Atala e ingrediente de seu menu degustação no Dalva e Dito.
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