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As mulheres avançaram rumo à igualdade, mas há muito a conquistar

Os avanços femininos são muitos e projetam um futuro promissor. Mas uma análise mais profunda revela que também há alguns retrocessos e conquistas ainda em construção. A seguir, um panorama das vitórias, do que falta e para onde vamos.

Por Iracy Paulina (colaboradora)
Atualizado em 31 out 2016, 11h32 - Publicado em 27 jun 2013, 22h00

Há bons sinais de fortalecimento da mulher brasileira quando ela é comparada às que vivem em outros países latino-americanos, emergentes e nas potências econômicas. Mais empreendedora, mais escolarizada, com a saúde em maior equilíbrio e, sobretudo, tendo o tamanho da família sob seu poder de decisão, ela já pode começar a comemorar a autonomia que, 50 anos atrás, não passava de retórica feminista. O medidor, o Global Gender Gap Report, documento que avalia a desigualdade entre os sexos, é elaborado por pesquisadores da Universidade de Harvard e da Universidade da Califórnia e divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. Na edição de 2012, o Brasil foi do 82º para o 62º lugar no ranking. No comando, há uma dualidade: uma mulher governa o país, enquanto há baixa representação no Legislativo e nos governos estaduais e municipais. CLAUDIA analisou dados da Organização das Nações Unidas, do Banco Mundial e de institutos de pesquisa, confrontou com números nacionais, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), e ouviu especialistas para mostrar o que é preciso fazer e de quem se deve cobrar alternativas para a evolução feminina deslanchar com maior celeridade.

MIRAR NA CIÊNCIA E NA TECNOLOGIA

No mundo, o número de meninas no ensino básico subiu de 91 para 96 a cada 100 crianças. Ainda assim, elas são a maioria fora da escola. As nossas meninas têm situação melhor: o Brasil está entre os 20 países que acabaram com o hiato entre os sexos. Passou para o grupo da Austrália, Costa Rica, Nova Zelândia e dos Estados Unidos. Aqui, dos 6 aos 14 anos, 98% delas estão matriculadas. Mas a média de tempo de estudo, entre os de 15 anos ou mais, é inferior aos nove anos obrigatórios do ensino fundamental. Mulheres na frente, com 7,5 anos ante os 7,1 dos meninos. “A reversão começou em meados do século 20, por iniciativa feminina, sem apoio de políticas afirmativas”, diz Nina Madsen, socióloga da ONG Cfemea. Vitória também na universidade: a ocupação de vagas saltou de 54,7% (2003) para 58% (2011), nos aproximando da Noruega e Suécia. O que precisa ocorrer é a ampliação para a ciência. Mais valorizadas no mercado, as vagas (67,1%) são dos homens. As mulheres dominam a educação (70,1%) e os serviços (62,8%). Esse quadro reflete um velho preconceito: mulheres apenas servem e educam. “O governo e a ONU Mulheres realizam ações nas escolas, como debates com pesquisadoras, para incentivar a aluna a pensar em tecnologia, física e computação como profissão.”

SALÁRIO, O DESAFIO

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Algo raro há 20 anos, as mulheres já partilham o comando de grandes corporações globais em diferentes patamares hierárquicos. Se, em 2005, 41% das empresas contavam com elas, em 2011 o grupo subiu para 59%. No Brasil, conforme a consultoria Grant Thornton, são 27%, o que nos dá o 18º lugar no ranking, muito à frente do Japão (5%), da Alemanha (13%) e Índia (14%). Na alta cúpula, porém, há muito poucas: aqui, apenas 3% dos Chief Executive Officers (CEOs) são mulheres. Quando se trata de planejar e manter o próprio negócio, a brasileira é a mais ousada do mundo – de cada 100 estabelecimentos abertos, 49 têm uma dona, segundo o Global Entrepreneurship Monitor 2012, ante 37 da média mundial.

Ainda há vergonha no holerite. As brasileiras com 12 anos ou mais de estudo recebem 41% menos que os homens. No quadro geral, ganham 26,7% abaixo. Nesse quesito, estamos bem pior que países como o Panamá, onde o gap é de 3%, e o Irã (8%). Mas houve melhora. “Muitas não recebiam nem o salário mínimo. Com o aquecimento econômico, passaram ao piso, o que fez diminuir a desigualdade na base da pirâmide salarial”, explica Lais Abramo, diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT-Brasil). “A mulher ainda é vista como força de trabalho secundária, que ganha para `alfinetes’, como no tempo da minha mãe”, diz Vera Soares, secretária de articulação institucional da SPM. Ainda que as chefes de família tenham saltado de 20,8% (1996) para 37,4% (2011).

Outra barreira a ser vencida é a equação dos afazeres na casa. A mulher gasta 22,3 horas semanais com eles; o homem só 10,2 horas. A Suécia resolveu, em parte, o problema. Desde 1974, pai e mãe têm direito à licença de, ao todo, 480 dias quando o filho nasce. Na prática, apenas a mulher ficava em casa, na totalidade da licença, prejudicando a carreira. Com a adoção dos meses de paternidade, o homem não pode mais transferir sua parte. Estudo da ONU Mulheres mostrou que, ao voltar a trabalhar, a mulher ainda conseguia aumento. Isso reduziu a distância salarial na Suécia a 9%. Aqui, a falta de lugar seguro para deixar a criança é um entrave. Segundo o IBGE, das mães com filhos até 3 anos em creche, 71,7% estavam empregadas em 2011. No grupo que não contava com o recurso, só 43,9% trabalhavam. “O governo Dilma prometeu 6 mil creches até 2014, mas a implantação está bem abaixo do esperado”, afirma Nina Madsen.

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MAIS PODER PARA CRESCER

Ao assumir a ONU Mulheres, em 2011, a ex-presidenta do Chile Michelle Bachelet disse que haveria menos conflitos, o planeta seria mais bem cuidado e os direitos humanos ganhariam respaldo quanto mais mulheres chegassem ao poder. Apenas 17 países são governados por elas, e 28% das nações têm 30% de presença feminina no parlamento, com a Ruanda como líder (51%), seguida por Suécia (45%), Islândia (43%) e Noruega (40%).

Mesmo com Dilma Rousseff na Presidência – e ela tendo nomeado 10 ministras (em governos anteriores não passavam de três) -, a atuação política da brasileira é pífia. No Senado, só 10% dos mandatos; na Câmara, 8,77%; e nas Assembleias Legislativas, 13%. Nos estados, Roseana Sarney conduz o Maranhão e Rosalba Ciarlini o Rio Grande do Norte. O número de prefeitas aumentou 54% em dez anos; hoje são 591, ou 11% do total de eleitos. Vereadoras subiram 17,5% e somam 7 647. “Para crescer na esfera pública, é preciso democratizar a esfera privada, onde a divisão de papéis segue padrões tradicionais”, diz Flávia Piovesan, professora de direito constitucional da PUC-SP.

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DESEJO DE SAÚDE E DE SEXO

É relativamente simples combater a morte materna. Seis consultas no pré-natal detectariam os riscos mais comuns, como a pressão alta, que leva à eclampsia. Nas tabelas da Organização Mundial da Saúde (OMS), vê-se uma queda no Brasil de 51%. Ela seria mais expressiva se flexibilizassem as leis sobre aborto, que, em países como o Brasil e o Afeganistão, é crime. Com medo das penas, 20 milhões de gestações indesejadas são interrompidas em condições inseguras, matando, em média, 68 mil mulheres no mundo a cada ano. Uma conquista das brasileiras ocorreu em 2012: o Supremo Tribunal Federal decidiu que o aborto pode ser feito quando o feto não tem cérebro. Antes, só era permitido em decorrência de estupro e risco de morte da mulher. Em situação mais severa encontram-se Chile, El Salvador, Nicarágua e República Dominicana, onde a prática é terminantemente proibida.

PLANEJAMENTO FAMILIAR

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O fato mais impressionante no direito reprodutivo das brasileiras é a revolução que elas fizeram. Elas bancaram o desejo de fazer sexo sem aumentar a prole, escolhendo os métodos contraceptivos. A taxa de natalidade caiu de 4,35 filhos para 1,9 em três décadas.

As brasileiras também esticaram a expectativa de vida (de 74,3 para 77,7, em 11 anos) e ganharam qualidade. Em parte, por melhorar a prevenção de doenças como o câncer de mama. Desde 2008, por lei, o SUS oferece a mamografia a quem tem 40 anos ou mais. Antes, partia dos 50. “O Brasil já cobre 75% das mulheres”, afirma Maira Calleffi, presidenta de uma organização de apoio à saúde da mama, a Femama. Em 2011, Dilma Rousseff sancionou lei que dá prazo de 60 dias após o diagnóstico para iniciar o tratamento. “O desafio é colocá-la em prática.” Contra as doenças cardiovasculares, que matam mais que o câncer, há muito a fazer, já que jornada dupla e stress aumentam os casos. Há 50 anos, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, de cada dez mortos por infarto um era mulher. Hoje são quatro. O fumo agrava o quadro, elevando seis vezes o risco de infarto entre elas e três entre os homens.

HORROR EM CASA E NA RUA

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É justificável um homem bater na esposa. Esse absurdo foi defendido por um quarto dos entrevistados em 17 dos 41 países pesquisados pela World Values Survey Association. Para mudar essa cultura arcaica, 125 países criaram leis que coíbem a violência doméstica e 52 já criminalizam o estupro marital (o marido força a mulher ao sexo). Na mesma linha, o assédio sexual é descrito como delito em 117 nações. As medidas tornaram visíveis os abusos, mas eles não acabaram. O Brasil, com a Lei Maria da Penha, é o sétimo entre os mais covardes. De 2000 a 2010, foram mortas 43 mil brasileiras (69% em casa), conforme o Mapa da Violência 2012 – Homicídios de Mulheres no Brasil, do Instituto Sangari. Crescem as denúncias e a impunidade dos agressores. Mas pouco é feito na área social para empoderar a vítima que depende financeiramente do algoz e quase nada se aplica à reeducação do homem. A CPMI da Violência Doméstica, instalada no Congresso em 2012, deve concluir que estados e municípios estão de costas para a Lei Maria da Penha. “A estrutura que ela requer para funcionar, de verdade, é embrionária. Não há pessoal treinado, delegacias e varas especiais o suficiente. Muito menos autonomia financeira”, afirma a deputada Jô Moraes, presidenta da comissão.

CRIME BRUTAL

A revelação do Ministério da Saúde de que os estupros subiram 157%, em quatro anos, e um caso ocorrido em Queimadas (PB), em 2012, chamam a atenção para a escalada da crueldade. Nessa cidade, cinco mulheres acabaram submetidas a estupro coletivo durante uma festa. Duas morreram. Seis criminosos foram condenados ao regime fechado, dois menores cumprem medidas socioeducativas e o mentor da barbárie vai a júri popular. Em dezembro, em Nova Délhi, um crime chocou o mundo: uma estudante de fisioterapia foi estuprada por quase uma hora num ônibus. Jogada na rua, nua e ensanguentada, acabou morrendo no hospital. O guru Asaramji Bapu completou a violência ao declarar que a tragédia não teria ocorrido se ela tivesse evocado o nome de Deus e caído aos pés dos agressores. Cresce também o tráfico de pessoas: 600 mil mulheres foram “vendidas” no mundo em 2012. Segundo o Ministério da Justiça, o tráfico vitimou 457 brasileiras de 2005 a 2011. Delas, 337 estavam em prostíbulos na Holanda, Suíça e Espanha; 135 no trabalho escravo em vários países.

DIREITOS DESIGUAIS

Os direitos iguais entre homens e mulheres estão na Constituição de 139 países, mas eles só têm efeitos práticos se a Justiça funciona. O relatório O Progresso das Mulheres no Mundo – 2011/2012, da ONU, defende a integração dos serviços (polícia, Justiça e ações sociais) e a ampliação da presença feminina na administração desse sistema. Foram analisados serviços de 39 países. Dos que contavam com 20% de mulheres na força policial, as denúncias chegaram a 30%. Três vezes mais que nas corporações com 5% do efetivo. A ação integrada, como na Jordânia, torna mais rápida a apuração das agressões e, quando possível, a reintegração da família.

Na média mundial, 27% dos juízes são mulheres, com avanços na Sérvia (67%), no Canadá (44%) e nos Estados Unidos (33%). Aqui, as juízas aumentam quando a via de acesso é o concurso público: elas são 30% nos tribunais de primeira instância. Nas altas cortes, o critério é a indicação política, e o homem é mais apadrinhado. No Superior Tribunal de Justiça, elas são 16,7% e no Supremo Tribunal Federal, 18%.
 

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